Contabilidade sem disfarce em vez de contas criativas

O governo tem uma dívida atuarial equivalente a um PIB anual – R$ 3,5 trilhões, em valores correntes -, calcula o professor Hélio Zylberstajn, da USP, um especialista em previdência. Mas a responsabilidade não aparece nas contas públicas. Só será declarada – obrigando os governos federal, estaduais e municipais a pagar – quando forem adotados novos padrões de contabilidade semelhantes aos das empresas privadas. Como revelou o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, ao jornal Valor, a decisão de mudar o padrão contábil brasileiro já foi tomada, valendo em 2012, para a União e os Estados, e em 2013, para os municípios.

O modelo contábil que as empresas privadas estão adotando, em todo o mundo, é o IFRS, padrão em mais de 100 países. O correspondente para contas públicas é denominado Ipsas, já usado na Inglaterra, França, Suécia, Suíça e Lituânia, segundo a consultoria Ernst&Young. Holanda e Noruega serão os próximos.

Para as empresas, a adoção do IFRS permite comparar as corporações brasileiras com as estrangeiras. Para os governos, permitirá avaliar a solvência do Estado no longo prazo. Nos dois casos, o objetivo é informar melhor os investidores, que assim farão escolhas mais objetivas.

Com o novo padrão, o Estado brasileiro informará qual é seu patrimônio – o valor de prédios, terrenos, máquinas, equipamentos e até bens públicos, como rodovias, ou ações de empresas como Petrobrás, Banco do Brasil, CEF, Eletrobrás e BNDES.

Sabe-se que é enorme – mas não medido – o patrimônio da União, de Estados e municípios. Esporadicamente são publicadas reportagens sobre os imóveis do INSS, muitos dos quais estão vazios ou alugados a preços baixos ou sem boa documentação e sem matrícula no registro de imóveis.

Algumas informações já são divulgadas pelo Ministério da Fazenda, que a cada ano publica um balanço contábil da União – o último, de 2009, indicou um patrimônio líquido de R$ 350 bilhões e ativos reais de R$ 2,81 trilhões. Santa Catarina antecipou-se, criando um grupo de trabalho para implantar a convergência contábil e divulgando o balanço de 2009 com uma dívida previdenciária de R$ 28,8 bilhões, sem que se conheça o valor dos ativos.

O que se espera é eliminar a “contabilidade criativa”, dando lugar à transparência do Estado e a suas responsabilidades. Por exemplo, explicitando a dívida previdenciária atuarial, ficará claro por que a União tem de reformar o regime de aposentadorias, sem o que o equilíbrio fiscal será precário.


Fonte: O Estado de S.Paulo – 02.09.2010

Editoria: Prof. Alexandre Alcantara