Contabilidade x tributação x política x flexibilidade das normas x UEPS
Por Alexandre Alcantara
Postamos a seguir dois alguns selecionados por César Tibúrcio que abordam questões relativas à interferência política na normatização contábil internacional, e sobre a “flexibilização” da aplicação das normas. São dois bons textos para reflexão.
O caminho da convergência às normas internacionais de contabilidade é desejável em um mundo de mercados globais, onde a análise de demonstrações contábeis além fronteiras só se torna viável com a construção de benchmarks de indicadores econômicos financeiros globais.
Porém, o que temos visto é um vai-e-vem sem igual quando falamos das normas em que a subjetividade do profissional contábil é requerida.
Um pouco mais de pesquisa e aperfeiçoamentos dos métodos de produção das normas internacionais não fará mal a ninguém.
Outra notícia não menos relevante é uma relacionada ao contexto normativo tributário dos EUA, No Brasil o UEPS é proibido pelo fisco, e a maioria das empresas adota o custo médio.
Nos EUA já se começa a estudar a proibição do UEPS. Será que esta mudança radical na norma tributária americana irá afetar a contabilidade gerencial naquele país? O tempo dirá! Mais sobre UEPS (Fim do UEPS? e Contabilidade como Surpresa).
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Segue o primeiro texto:
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Normas atraem interesse político
Valor Econômico – 4/5/2009
Como se diz “colchão anticíclico” em 27 idiomas? Este é o termo mais suave – mas aparentemente politicamente aceitável – rondando em Bruxelas para descrever a prática de fazer com que os bancos guardem colchões de liquidez para os dias chuvosos.
A contabilidade poucas vezes antes foi tão política. O processo de incluir esses fundos para dias chuvosos nos balanços financeiros levanta todo tipo de questões, altamente suscetíveis.
Nos últimos seis meses, as autoridades em cargos eletivos obrigaram tanto o Conselho de Padrões de Contabilidade Internacional (Iasb, na sigla em inglês) como seu par nos Estados Unidos, o Fasb, a mudar as normas. Na França, sob o comando de Christine Lagarde, as autoridades disseram na semana passada que o voltarão a fazer.
Era de se esperar que isso ocorresse, à medida que os políticos analisam o que saiu errado na crise financeira e o que podem mudar.
A contabilidade como profissão não está sozinha como ímã de atração da atenção dos políticos. Regras em esboço na Europa propuseram grandes mudanças em outros setores periféricos da crise, como os fundos hedge e grupos de investimentos em participações.
A contabilidade, contudo, envolve um conceito fundamental que sustenta os mercados – as empresas precisam apresentar para seus donos o que estão fazendo, com informações confiáveis, de alta qualidade e dentro do prazo.
Não conseguirão fazer isso se o que precisam mostrar e a forma como o mostram estão mudando constantemente como resultado de interferências políticas.
“Fui um político. Entendo o que ocorre em termos de pressão sobre os políticos para fazer algo [para] solucionar esses problemas. É, simplesmente, imensa”, diz Hans Hoogersvorst, diretor do órgão regulador de valores mobiliários da Holanda e ex-ministro da Saúde e Finanças.
Hoogersvorst também é co-presidente do Financial Crises Advisory Group (FACG), um agrupamento interessante de ex-autoridades reguladoras e outras pessoas de destaque que assessoram tanto o Iasb como o Fasb sobre tópicos de contabilidade ligados a crises.
Os integrantes, de forma nenhuma, conseguem concordar sobre o que deve ser feito, o que contribui para debates vivos e intercâmbios abertos.
Uma coisa com o que concordam, no entanto, é que os políticos precisam parar de interferir em detalhes do que precisa ser mudado.
“O Iasb e o Fasb não deveriam ser forçados a entrar em uma espiral descendente, uma corrida para baixo, na qual um deles é pressionado a assumir uma posição mais leniente e o outro, então, precisa ajustar-se da mesma forma”, diz Hoogersvorst. O FACG escreveu na quinta-feira ao primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brawn, como presidente do Grupo dos 20 (G-20), para reiterar esse ponto.
Por sua vez, também respondeu aos pedidos franceses nesta semana para que o Iasb siga as mudanças feitas pelo Fasb neste mês. Estas e as mudanças que Bruxelas obrigou o Iasb a fazer em outubro passado tiveram como resultado líquido o alívio da contabilidade de instrumentos financeiros de formas que beneficiassem os balanços dos bancos. Isto cheira a interesses especiais de grupos lobistas.
O fato de políticos estarem se envolvendo em contabilidade tem algumas vantagens. Com frequência, os auditores são considerados como alienados com poucos interesses fora de seu próprio mundo. Talvez sejam assim. Mas tal forma de pensar deixa o setor debatendo assuntos que, na verdade, interessam a todos.
A contabilidade de produtos de estrutura complexa nesta crise é ainda mais complicada de entender do que os próprios produtos. O Iasb quer seis meses para remodelar toda a questão inteiramente. Dada a complexidade do assunto, é uma tarefa complicada.
Mas os políticos devem dar aos auditores essa chance. Eles podem, e devem, estar envolvidos, mas não tentando constantemente ajustar as regras. Mudanças fragmentadas que pareciam ser pouco importantes de forma independente, quando se somaram com a incapacidade de compreender o quadro geral, levaram o mundo a esta crise. Certamente, não será com ajustes provisórios que sairemos dela.
Grifo meu. Veja o livro Teoria da Contabilidade, de Niyama e Silva, p. 22. A Contabilidade é uma atividade política.
In Contabilidade Financeira (César Tiburcio): Contabilidade e Política
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O segundo texto
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Um réquiem para a regra de marcação a mercado?
Alkimar R. Moura – Valor Econômico – 4/5/2009
Do ponto de vista econômico, existem boas razões que justificariam a suspensão da regra de marcação a mercado
Com a fina ironia que lhe era peculiar, o prof. John K. Galbraith observou que crise financeira é um evento muito simples, pois a única coisa que se arrisca a perder nela é dinheiro. Esta é a parte visível da destruição de valor que ocorre em toda crise e que, no momento atual, não pode ser considerada como desprezível, pois já começa a superar US$ 4 trilhões, a julgar pelas últimas estimativas do FMI sobre as prováveis perdas dos detentores de ativos hipotecários originários dos EUA. Krugman, no seu mais recente livro, estima que o estouro da bolha imobiliária poderá causar uma perda de riqueza de cerca de US$ 8 trilhões. No entanto, uma crise financeira e econômica não destrói apenas riqueza financeira, mas derruba reputações e mitos, e força a revisão de conceitos e de procedimentos que se mostraram inadequados para lidar com a tempestade. As críticas contundentes à gestão de política monetária do então todo poderoso Alan Greenspan à frente do Banco Central americano constituem atualmente o exemplo mais ostensivo da mencionada destruição simbólica de reputação.
No mesmo sentido de mudanças, nova regulação deve surgir para evitar os excessos de alavancagem de bancos e instituições componentes do “shadow-banking system”, assim como novas restrições quanto às operações fora de balanço das instituições bancárias e não-bancárias. Além disso, os bancos centrais estão adotando práticas operacionais rigorosamente heterodoxas na tentativa de estabilizar o sistema bancário nos Estados Unidos e na zona do euro. Outros exemplos de mudanças de regulação e de procedimentos podem ser invocados para comprovar a necessidade de várias modificações na supervisão e na fiscalização do sistema bancário, no rescaldo da crise financeira atual.
Será a contabilidade baseada no preço justo (“fair value rule”) a próxima vítima desta revisão regulatória? Alguns movimentos nos Estados Unidos já indicam a existência de pressões para o abrandamento da estrita aplicação do principio de marcação a mercado para a contabilização dos chamados “ativos tóxicos”, vinculados a operações de crédito habitacional. A própria legislação americana (“Emergency Economic Stabilization Act”) aprovada pelo Congresso em outubro de 2008, determinou que a SEC conduzisse um estudo sobre a regra de marcação a mercado para os ativos/passivos das instituições financeiras.
Pelas regras americanas, emanadas do Financial Accounting Standards Board (FASB), os bancos têm que contabilizar os ativos nos seus balanços trimestrais para refletir o preço justo (“fair value”) daqueles ativos, isto é, o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou pago pela transferência de uma dívida em uma transação em condições normais de mercado (isto é, nem uma liquidação forçada nem uma venda “distressed”), entre os participantes das negociações, na data da mensuração.
Com a virtual desintegração do mercado dos “ativos tóxicos”, os bancos ficaram sem referência para a precificação daqueles papéis. Quando não existem mercados ativos, o FASB recomenda que a instituição financeira use o preço de venda que vigoraria em uma transação normal entre os participantes de mercado (isto é, uma venda não-forçada) na data do registro contábil, nas condições correntes de mercado.
O virtual desaparecimento do mercado de títulos ligados a hipotecas habitacionais forneceu mais argumentos para aqueles que atribuíram uma parte da responsabilidade pela crise de crédito à regra de marcação a mercado. O argumento aqui não é semelhante àquele tipicamente oportunista que manda mudar os critérios oficiais de mensuração de índices de preços, em períodos de inflação ascendente. A justificativa tem a ver com a relação entre o ciclo econômico e a regra de marcação a mercado. Um estudo recente preparado para o International Center for Monetary and Banking Studies de Geneva, por um respeitável grupo de economistas com experiência em instituições financeiras multilaterais, concluiu que a regra de marcação a mercado revela um acentuado componente pró-cíclico: quando tudo vai bem e os preços dos ativos estão em alta, a regra favorece a expansão dos ativos dos bancos, aumentando a alavancagem bancária, o que reforça o movimento favorável de mercado. Quando o ciclo se inverte, a queda de preços dos títulos força os bancos a venderem os ativos, para cumprir as exigências da regulação prudencial, provocando nova onda de queda de preços, pressões adicionais de vendas e declínio de preços, e assim por diante. Assim, do ponto de vista econômico, existem boas razões que justificariam a suspensão e/ou o abandono temporário da regra de marcação a mercado, em condições nas quais ela provocaria maior instabilidade e desorganização dos mercados de crédito, de dívida e de ações.
Em princípio, uma regra contábil deveria ser neutra, incapaz de, ela própria, contribuir para acentuar as flutuações do ciclo econômico, sobretudo em situações-limite de expansão e/ou contração no mercado financeiro e na atividade econômica. Aparentemente, a regra de marcação a mercado não passou neste teste, nos países mais afetados pela desorganização dos sistemas bancários e da intermediação financeira. E provavelmente ela sofrerá modificações, no bojo do conjunto das mudanças, que deverão ocorrer na regulação bancária e dos mercados financeiros e de capitais, como resposta oficial das autoridades à permissividade regulatória que permitiu a explosão da crise financeira atual. Na mesma linha de mudanças contábeis, é provável que o caráter pró-cíclico das atuais regras de provisão para risco de crédito seja modificado, adotando-se procedimentos já testados com sucesso em alguns países.
Convém reconhecer que a regra de marcação a mercado representou um avanço significativo para melhorar a transparência dos demonstrativos contábeis das instituições financeiros, fornecendo informações mais fidedignas aos seus acionistas, investidores, depositantes e reguladores. Aperfeiçoá-la, tornando-a mais robusta e invariante às flutuações do ciclo econômico, pode ser um dos parcos e indiretos benefícios advindos da crise atual. Esperemos que os especialistas no tema possam estar à altura dos desafios do momento.
In Contabilidade Finaceira (César Tiburcio): Marcação a Mercado
[grifos vermelhos: nossos]
[grifos pretos: César]