Contabilidade Pública: Convergência
Por Nelson Niero, de São Paulo
Valor Econômico – 30/9/2009 , via Blog César Tibúrcio
Depois de um longo e tortuoso processo que colocou as empresas brasileiras no caminho das normas internacionais, vem aí uma nova odisseia contábil. E, desta vez, a tarefa é ainda mais complexa: colocar o setor público dentro da ordem mundial de transparência e comparabilidade de informações econômico-financeiras.
A expectativa é que, nos próximos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assine o decreto que torna oficial a adesão do país às Normas Internacionais de Contabilidade do Setor Público (Ipsas, na sigla em inglês), editadas pela Federação Internacional dos Contadores (Ifac).
As Ipsas – os contadores têm uma queda por acrônimos complexos – são para os governos o que as Normas Internacionais de Informações Financeiras (IFRS) são para as empresas, só que o lado empresarial dessa globalização contábil está mais avançado, com cerca de cem países envolvidos. No Brasil, as normas devem ser adotadas plenamente em 2010 pelas sociedades por ações e as limitadas de grande porte.
Em agosto do ano passado, uma portaria (184) do ministro da Fazenda, Guido Mantega, já determinava que a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) começasse o trabalho de convergência entre os padrões brasileiros, estabelecidos pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e as Ipsas. Desde então, todas as novas regras já vêm alinhadas com os padrões internacionais.
“As bases já foram lançadas”, disse ao Valor Paulo Henrique Feijó, coordenador-geral de Contabilidade da STN. “Mas, com o decreto presidencial, é como se subíssemos um nível.”
Mas ainda há muitos degraus pela frente. Enquanto as companhias privadas e de economia mista já tinham contas bem estruturadas, o setor público está longe dos princípios fundamentais da contabilidade.
“Nosso compromisso é fazer todas as adequações necessárias até 2012”, informou Maria Clara Cavalcante Bugarim, presidente do CFC. As dez primeiras normas foram editadas neste ano e o próximo passo é ter um plano de contas único para o país.
“Estamos num momento de transição em que vamos ter que encarar seriamente a questão do regime de competência.”
Basicamente, é uma questão nada simples de conhecer o patrimônio da nação: ativos e, principalmente, passivos.
Para Feijó, é uma quebra de paradigmas e uma mudança cultural. Se na área empresarial os balanços, até 2008, quando começou a conversão ao IFRS, eram dominados pelas regras tributárias, no setor público prevalece uma “cultura orçamentária”.
“Nunca um secretário do Tesouro pediu para ver um balanço”, disse Feijó, numa palestra na semana passada na “Conferência sobre Contabilidade e Responsabilidade para o Crescimento Econômico Regional na América Latina e Caribe”, promovida pelo Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Ifac em São Paulo. “Eles sempre pedem um quadro do resultado primário.”
Essa cultura orçamentária significa que passivos não são registrados (previdência é um exemplo notório) e ativos não são depreciados. O setor público não faz provisão para férias e décimo-terceiro salário, algo impensável em uma empresa.
Feijó lembra que a regulamentação do setor é de 1964, mas que houve avanços importantes, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000. No entanto, os desafios são grandes, ressalta, entre eles está a capacitação e formação profissional.
E não são só no Brasil. Mike Hathorn, presidente do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade do Setor Público (Ipsasb), disse ao Valor que ainda falta muito para que seu país, o Reino Unido, adote as normas internacionais. “Talvez em dez anos”, afirmou.
Para David Bean, diretor do Conselho de Normas de Contabilidade Governamental dos EUA (Gasb), o grande desafio é usar a contabilidade para medir a eficiência de um governo. “As empresas existem para dar lucro e os governos, para servir os cidadãos”, disse. “Precisamos produzir informações úteis para esses ‘acionistas’.”