IFRS: não pode haver duas contabilidades
IFRS sem complicação: internacionalização das normas não pode resultar em duas contabilidades
Por Diogo Ruiz
Caso venha a ser necessária a adoção de uma “dupla contabilização” das operações, por métodos e critérios completamente diferentes, serão ampliados os custos, e a gestão da contabilidade e do cumprimento das exigências fiscais se tornaria muito mais complexa
Uma das mais importantes e necessárias adaptações para a efetiva adoção dos International Financial Reporting Standards (IFRS, ou normas internacionais de contabilidade, em português) veio da área tributária. Afinal, as mudanças estabelecidas trazem novos métodos e critérios de contabilização de receitas, custos e despesas, e tenderiam a provocar alterações na base de cálculo dostributos (IRPJ, CSLL, PIS E COFINS) de grande parte das companhias, gerandoindesejáveis efeitos e eventuais distorções na carga tributária incidente sobre as operações das pessoas jurídicas.
Para garantir que o processo de mudança não provocasse efeitos que pudessem desestimular a adoção dos IFRS, foi instituído pela Medida Provisória 449/2008, que deu base à lei 11.941/2009, o Regime Tributário de Transição (RTT). O RTT foi criado para estabelecer a neutralidade tributária no período de transição ao novo modelo, isto é, para que a base de cálculo dos tributos acima referidos fosse apurada por meio dos métodos e critérios contábeis anteriores. E como o próprio nome indica, o RTT tinha um prazo para vigorar: até o ano fiscal de 2010. No entanto, a lei que o instituiu prevê a possibilidade de que esse mecanismo seja mantido indefinidamente. Vivemos, portanto, um momento em que é necessário determinar qual a melhor solução para a evolução natural do RTT.
Uma das propostas em estudo é a instituição de registros contábeis com base em métodos e critérios fiscais com a finalidade exclusiva de apurar o balanço fiscal, que serviria para determinar a base de cálculo dos tributos. Certamente, tal decisão não seria a mais adequada, pois traria um peso adicional às companhias: além da publicação de demonstrações financeiras para atender à lei societária e permitir a comparação com empresas internacionais, seria exigido outro balanço , apurado com base em outros registros contábeis com regras distintas, baseadas no padrão contábil abandonado em 2007, para a apuração dos mencionados tributos. Hoje, as companhias brasileiras convivem com a obrigação de realizar uma única contabilidade.
Para o cálculo dos tributos, são feitos apenas ajustes em livros e registros fiscais. Caso venha a ser necessária a adoção de uma “dupla contabilização” das operações, por métodos e critérios completamente diferentes, serão ampliados os custos, e a gestão da contabilidade e do cumprimento das exigências fiscais se tornaria muito mais complexa.
A solução adotada com o RTT foi providencial para o sucesso que, de fato, obtivemos com a evolução de nosso padrão contábil para os IFRS. Hoje, as empresas de capital aberto e as de grande porte já têm as normas internacionais como efetivo padrão contábil. No entanto, é preciso avançar para que não tenham de vir a produzir duas contabilidades para a manutenção da neutralidade tributária.
Diante disso, muitos discutem alternativas de mecanismos que possam suceder o RTT.Vale lembrar que o Brasil viveu situação semelhante nos anos 1976 e 1977, quando da instituição da Lei 6.404/76, que padronizou a contabilização e asdemonstrações financeiras das sociedades anônimas e também das sociedades limitadas. Para equalizar os efeitos fiscais gerados pela mudança, foi instituído o Decreto-Lei 1.598/77, que adaptou a legislação do imposto sobre a renda às inovações da Lei das S.As. A solução foi muito bem-sucedida, tanto que seus impactos perduram até hoje.
Simplificar a maneira como as empresas administram suas obrigações tributárias e reduzir seus custos são dois importantes elementos destinados a valorizar a eficiência e a competitividade das corporações. Nossa intenção é contribuir com ideiaspara o debate sobre o mecanismo que deve suceder o RTT, sempre tendo em perspectiva o melhor para o nosso País.
Diogo Ruiz é sócio da área de Tributos da KPMG no Brasil – Publicado em administradores.com.br