IFRS: ainda continua a torre de babel
Estados Unidos veem erros e diferenças em padrão único |
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Por Fernando Torres | De Nova York Fonte: Valor Econômico, via FENACON
Dezoito medidas de lucro diferentes na demonstração de resultados, dez tipos de lucro usados como ponto de partida para se apresentar o fluxo de caixa operacional e seis lugares distintos para se informar o lucro por equivalência patrimonial em coligadas e controladas.
Esse é um pequeno retrato das diferenças encontrados pela área técnica da Securities and Exchange Commission (SEC), a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos, em um estudo divulgado na semana passada sobre a aplicação prática do padrão internacional de contabilidade, conhecido como IFRS, em vários países. O relatório tem 65 páginas e detalha, item por item do balanço, qual é a regra do IFRS e como ela foi aplicada.
De forma geral, a SEC entende que as empresas cumprem os requerimentos do padrão internacional. Mas chama atenção não apenas para as diferenças, geradas pelas opções permitidas pelo IFRS e pela falta de regras detalhadas desse modelo, mas também para a falta de transparência sobre práticas e premissas contábeis e para o descumprimento de regras em si. Entre os problemas, a SEC encontrou ações classificadas como equivalentes de caixa, estoques que deveriam ser retidos pela companhia classificados dentro do ativo circulante (o que indicaria venda em 12 meses) e ajuste pelo valor justo com intervalo de três anos.
O trabalho do órgão regulador americano foi feito com base na análise dos balanços de 183 companhias de 22 países, incluindo o Brasil. E faz parte de um conjunto de estudos prévios que serão usados para embasar a decisão dos diretores do órgão sobre a incorporação ou não do IFRS ao padrão contábil americano, o US Gaap. A decisão da SEC foi prometida para este ano, mas existe a possibilidade – não oficial – de que ela seja adiada. A pesquisa usou como amostra as 500 maiores empresas listadas pela revista americana Fortune, fossem elas registradas ou não na SEC – já que o órgão permite uso do IFRS para emissores estrangeiros.
O resultado parece deixar cada vez mais claro que o maior desafio para se ter balanços comparáveis internacionalmente e entre diferentes setores não é a criação de padrão único global de contabilidade – que é o tema número um hoje entre contadores, auditores e reguladores. A parte mais difícil é garantir a aplicação consistente das regras nos diversos países, o que exigirá um trabalho importante de coordenação das redes internacionais de auditoria e dos órgãos de fiscalização oficiais.
Embora tenha identificado que empresas dão tratamentos contábeis distintos para eventos semelhantes, mesmo dentro do mesmo padrão contábil, a área técnica da SEC se mostrou mais preocupada com os casos de descumprimento das regras do padrão internacional.
James Kroeker, chefe da área de contabilidade da SEC, dá como exemplo, sem citar nomes, uma empresa que classificou ações do seu portfólio dentro da linha de "caixa e equivalentes de caixa". "Não há nada no IFRS que permita isso. É mais uma questão de cumprimento da regra do que de interpretação", disse ele durante seminário em Nova York no início da semana passada. "Em outro caso, uma empresa disse que usava o critério do valor justo para medir o pagamento baseado em ações, o que me pareceu bom. Mas ela disse que fazia o cálculo uma vez a cada três anos e que usava aquele número para os próximos três anos. O IFRS não permite isso", afirmou.
Para Kroeker, a existência de opções no padrão internacional pode levar a práticas distintas em determinados aspectos, mas isso também ocorre no sistema americano. "O que me preocupou mais foi esse espaço que existe para melhora na área de auditoria e fiscalização do cumprimento das regras", disse ele, que destacou ainda que, no estudo, não foi possível questionar os lançamentos feitos por empresas que não tinham registro na SEC.
De acordo com relatório, a falta de detalhes do IFRS permitiu que fossem vistos 18 subtotais de medidas de lucro diferentes nas demonstrações de resultado, como lucro bruto, lucro operacional antes do resultado financeiro (Ebit) e até mesmo Ebitda (sigla em inglês para lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), que não é uma medida contábil oficial.
O órgão identificou também dez tipos diferentes de lucro usados como linha inicial no demonstrativo de fluxo de caixa operacional. Além do lucro líquido (que é o usado no Brasil), apareceram também lucro antes de impostos, lucro operacional, Ebitda, entre outros.
Em relação à ordem das contas no balanço patrimonial, a prática global mais comum no IFRS é contrária à existente no Brasil, com a linha do caixa sendo a última do ativo, e não a primeira. Já as instituições financeiras e as seguradoras analisados no estudo usaram, na sua maioria, o mesmo critério adotado no Brasil, com os ativos mais líquidos no alto do balanço.
Em relação aos problemas, a SEC notou também falta de transparência. "Algumas das premissas e julgamentos básicos usados para o cálculo do valor em uso dos ativos ou do valor justo menos os custos de venda não foram divulgados", diz o relatório, ao falar do teste que se deve fazer para realizar baixas contábeis no valor de ativos.
O órgão regulador também notou casos em que parece ter havido erro nas demonstrações contábeis anteriores, mas que foram tratados apenas como mudança de estimativa pelas empresas, o que as exime de republicar os balanços.
De acordo com Kroeker, muitos dos problemas identificados no estudo sobre o IFRS também se repetem no US Gaap, com a diferença de que a SEC pode pedir esclarecimentos para empresas registradas nos EUA. No relatório, por diversas vezes a área técnica menciona que, entre as empresas fiscalizadas pela SEC, o nível de transparência era maior e as diferenças de aplicação menores. |