Manual de Auditoria Contábil Tributária

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Apresentação

escrituração contábil e as demonstrações dela extraídas são produtos e artefatos da contabilidade que interessam a um grande leque de stakeholders, dentre os quais aparecem: sócios e gestores; instituições financeiras; clientes e fornecedores em geral; investidores; comissão de valores mobiliários; o Poder Judiciário; empregados; entidades sindicais; comissões de licitação; e fiscalização tributária. Para esta última, o objetivo é a busca por indícios de sonegação de impostos.

A relevância da escrituração contábil para as administrações tributárias é objetivamente apresentada por Silva & Cerqueira (2018, p. 20 e 57), quando afirmam:

As administrações tributárias têm avançado em suas ações de fiscalização através do exame da escrituração contábil das empresas, contando com poderosos e eficientes aplicativos de auditoria, que realizam o cruzamento das informações constantes na escrituração contábil com as bases de dados dos livros e documentos fiscais eletrônicos[…]

A auditoria fiscal encontra na escrituração contábil o suporte para a verificação de possíveis fraudes, por omissão, supressão ou redução de registros de operações que repercutam na ocultação do real montante das operações sujeitas à tributação. Lastreado nesta verdade, a obrigatoriedade de apresentação dos livros contábeis é amplamente prevista nas legislações tributárias, tanto no âmbito federal e estadual, bem como em alguns casos em legislações municipais.

É muito importante, portanto, que as administrações tributárias concentrem esforços para aperfeiçoar a sua legislação com tipificações cada vez mais claras das presunções de omissões de saídas de mercadorias, produtos ou prestação de serviços sujeitas a tributação, e que possam ser apuradas a partir da escrituração contábil.

A implementação da Escrituração Contábil Digital (ECD) possibilitou que muitas administrações tributárias realizassem um processo de revisão dos seus roteiros de auditoria contábil tributária, considerando as possibilidades de cruzamentos e batimentos de dados com a Escrituração Fiscal Digital e correspondentes documentos digitais, representados pelos documentos fiscais eletrônicos, delineando orientações quanto à produção de provas digitais e criando roteiros específicos para identificações de casos mais sofisticados de ocultação de receitas.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela constitucionalidade do artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001 (Recurso Extraordinário 601.314) oferece às administrações tributárias um excelente instrumento de apoio à auditoria contábil, que conseguirá realizar a verificação da correta escrituração das operações financeiras dos contribuintes, considerando a simplificação do acesso a essas informações sem a necessidade de prévia autorização judicial. O STF firmou entendimento segundo o qual, formalizado processo administrativo próprio, no qual se assegurem certas garantias mínimas ao contribuinte alvo da auditoria, os dados bancários podem ser acessados diretamente pela fiscalização tributária, uma vez que não haveria, a rigor, uma quebra do sigilo bancário, mas sim uma transferência do sigilo da instituição financeira para a autoridade tributária.

Dado o potencial que esse valioso recurso de apoio à auditoria contábil proporciona, é surpreendente que grande parte das administrações tributárias dos estados e municípios não o utilize de modo frequente — em muitos casos sequer tendo expedido a necessária regulamentação do procedimento administrativo para quebra do sigilo, como decido pelo STF.

Durante o 60º Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (Encat), realizado em Brasília em março de 2017, foi criado o Grupo de Trabalho de Auditoria Fisco-Contábil, congregando hoje representantes de todas as unidades da Federação, atuando na disseminação de boas práticas de auditoria, emitindo orientações para aperfeiçoamento dos atos normativos estaduais relacionados à temática contábil, promovendo o estímulo à utilização das ferramentas de auditoria de uso comum por meio do compartilhamento de dicas de utilização e sugestões de melhorias, além de divulgar sugestões de diretivas para criação e aplicação de roteiros específicos a fim de detectar fraudes contábeis. Tive o privilégio de participar da criação desse grupo de trabalho e integrar sua liderança nos seus cinco primeiros anos.

Desde então, a auditoria contábil tributária começou a avançar no Brasil de forma mais significativa, a partir das iniciativas de capacitação das equipes de auditoria contábil e na organização formal de unidades especializadas em auditoria contábil. Algumas dessas unidades, no âmbito estadual, além das auditorias focadas na recuperação do ICMS, também promovem ações na área do ITCMD, quando envolvem questões relacionadas a avaliação de empresas.

Nos modelos adotados atualmente, existem unidades especializadas em auditoria contábil tributária em algumas Secretarias de Fazenda estaduais. Algumas dessas unidades atuam no planejamento de ações de auditoria contábil, e outras em que, além de programar as ações, também as executam. Há ainda o modelo de unidade focada em dar suporte às ações planejadas e executadas nas diversas unidades da secretaria, sem que exista um planejamento central.

Entretanto, muitos Estados e alguns municípios, apesar de não terem formalizada em sua estrutura uma unidade específica para gerenciar ou realizar a auditoria contábil tributária, contam com auditores que de forma espontânea desenvolvem esse tipo de trabalho de forma bem elaborada, o que se pode perceber pela quantidade de jurisprudência em matéria contábil tributária em praticamente todo o território federal, sejam em instâncias administrativas ou judiciais.

Outro grande aliado para a realização dos trabalhos de auditoria contábil tributária tem sido a utilização de ferramentas de auditoria especializadas no trato da ECD. Os aplicativos ContÁgil Lite (RFB), cedido aos estados, Distrito Federal e municípios pela Receita Federal do Brasil, e o Auditor Eletrônico (AEBR), cedido pela Secretaria da Fazenda de Minas Gerais, têm proporcionado ganho de tempo e qualidade na condução do exame da ECD e dos documentos fiscais eletrônicos, aumentando não apenas a quantidade de empresas auditadas contabilmente, mas sobretudo proporcionando agilidade e segurança na detecção de fraudes contábeis.

Os recentes editais de concursos públicos para o provimento em cargo de auditor fiscal, seja no âmbito federal, mas sobretudo nos estaduais, têm dado grande destaque à temática de auditoria contábil, focando as normas de auditoria independente expedidas pelo Conselho Federal de Contabilidade, sigilo bancário (LC nº 105/2001) e conhecimento sobre casos clássicos de fraudes contábeis, a exemplo de saldo credor de caixa, suprimento de caixa de origem não comprovada, passivo fictício, entre outros.

Auditoria convencional e a auditoria contábil tributária

Uma auditoria fiscal convencional ou clássica pode ser entendida como aquela que procederá apenas a verificação da obediência direta ao atendimento de questões formais da norma tributária. Dentre os procedimentos mais frequentes realizados em uma auditoria convencional, destacamos alguns: conferência de alíquotas aplicadas, adequação da base de cálculo utilizada, correta aplicação de isenções e diferimentos, adequação no cálculo da substituição tributária, levantamento de estoque de mercadorias, atestar a não ocorrência de créditos indevidos ou do não cumprimento das obrigações acessórias. Alguns destes procedimentos de auditoria convencional podem ser realizados de forma censitária, através das chamadas malhas fiscais automatizadas.

A auditoria convencional ou através de malhas fiscais, são relevantes, porém não são suficientes para buscar a verdadeira situação fiscal do contribuinte. É preciso ir além.

É necessário realizar adicionalmente uma completa auditoria contábil tributária. Este tipo de auditoria consiste no exame da escrituração contábil e da movimentação financeira do contribuinte, adentrando em nuances que podem levar à identificação da sua real movimentação financeira, normalmente ocultada mediante a adoção de artifícios contábeis fraudulentos, os quais possibilitam a sonegação das operações que ocorrem à margem dos documentos fiscais regularmente emitidos e oferecidos à tributação.

Na auditoria contábil tributária, após a constatação dos casos de fraudes contábeis, segue-se o seu enquadramento nas situações definidas legalmente como presunções de omissão de receita, dentre as quais destacamos as mais frequentes: saldo credor de caixa, suprimentos de recursos de origem não comprovada, pagamentos não contabilizados, ativos ocultos e passivos fictícios.

As abordagens do Manual

No planejamento deste livro, buscou-se seguir abordagens pré-definidas, com o objetivo de que o conteúdo pudesse ser facilmente assimilado e facilmente revisado pelo leitor, a partir da própria dinâmica da evolução da fraudes contábeis conjugada com as atualizações normativas e jurisprudências, que fatalmente o direcionará a definir novos procedimentos ou revisar e ampliar aqueles propostos na obra.

Abordagem doutrinal

Na abordagem doutrinal, buscamos trazer os aspectos mais relevantes da contabilidade, focando essencialmente os aspectos formais do que seria uma escrituração contábil, demonstrando como ela é executada e os principais conceitos que ela utiliza — por exemplo: o que seria conta, débito, crédito, saldo, lançamento, livros e demonstrações contábeis, etc. Esse tipo de conhecimento é essencial para que o auditor fiscal possa desenvolver o “exame”, a “auditoria” dos registros contábeis. Essencial, por exemplo, para compreender como um saldo de uma conta pode revelar a existência de uma fraude, situação típica da presunção de omissão de receitas quando se constata a existência de saldo credor na Conta Caixa.

Abordagem normativa

Na abordagem normativa, buscamos trazer os aspectos mais relevantes da norma contábil, desde aquelas que a torna obrigatória até as situações e exceções em que especifica. Entre os aspectos normativos, foi essencial também um destaque para os atos normativos que determinam como a escrituração contábil deve ser feita e as diretrizes a serem seguidas na condução da auditoria contábil pelos auditores independentes, cujas diretrizes tomamos emprestadas para este manual de auditoria contábil tributária. Ainda na abordagem normativa, foi importante delimitar os casos em que a lei interpreta as fraudes contábeis como fato gerador do imposto, com a instituição das presunções de omissão de receita.

Abordagem jurisprudencial

abordagem jurisprudencial foi essencial para demonstrar e ilustrar o entendimento dos tribunais no contencioso administrativo e o posicionamento quando a lide entre contribuintes e administrações tributárias chegou no âmbito judiciário. A ideia foi trazer as decisões tanto favoráveis quanto desfavoráveis às administrações tributárias. As ementas, acórdãos ou trechos de relatórios foram escolhidos entre tantos. Nesta obra, optou-se por aqueles que tinham um maior rigor na exposição da dinâmica da fraude praticada, no reforço da norma de presunção aplicada, e sobretudo por aqueles que detalhavam aspectos doutrinais da contabilidade e dos procedimentos de escrituração contábil aplicada na identificação das fraudes.

Abordagem procedimental

Na abordagem procedimental, o objetivo foi detalhar minimamente alguns dos principais procedimentos de auditoria que podem ser aplicados na identificação das fraudes contábeis que a norma atribui como intencionada para encobrir omissão de receitas. Nesse ponto, os procedimentos sugeridos derivam da experiência do autor em seus mais de 35 anos como auditor fiscal e sua experiência anterior em empresa de auditoria independente, que forneceram base para a construção da abordagem conceitual e dos exemplos. Foi realizada ampla revisão bibliográfica da doutrina contábil, atenta leitura aos manuais de auditoria expedidos por administrações tributárias e análise cuidadosa dos acórdãos de julgamento das esferas administrativa e judicial. Entre as importantes fontes de inspiração, não podemos nos esquecer das trocas de experiências em nossas turmas de treinamento em auditoria contábil tributária, promovido nos mais diversos recantos do país. A cada turma, novos casos de fraudes compartilhados, além de debates sobre doutrina contábil e tributária, comentários sobre jurisprudências, dicas no uso de aplicativos de auditoria e estratégias para identificação de ilícitos — exemplos vivenciados que nos inspiraram na elaboração de alguns estudos de casos.

As partes que compõem o Manual

Merece destacar que os temas foram agrupados em vinte capítulos específicos e catalogados a partir de uma lógica procedimental.

  • Parte 1 – Visão introdutória de escrituração contábil: compreende os capítulos 1 e 2. Apresenta os conceitos-chaves de escrituração contábil, contornando os aspectos normativos com os doutrinais da contabilidade, dando ênfase às normas expedidas pelo Conselho Federal de Contabilidade, com as devidas adaptações para a realidade das administrações tributárias, e entendimento externado na jurisprudência administrativa e judicial sobre o tema, sem esquecer o detalhamento dos principais aspectos da ECD e como ela se relaciona com a auditoria contábil tributária.
  • Parte 2 – Fraudes contábeis: compreende os capítulos 3 a 5, nos quais é apresentado como a contabilidade pode ser um instrumento para identificação de fraudes, adentrando em seus aspectos conceituais, contextualizando a abordagem contábil com as normas tributárias do Direito Civil. Nesta parte é dado um destaque especial para as presunções de omissão de receitas e a questão da transferência do sigilo bancário às administrações tributárias, nos termos da Lei Complementar nº 105/2001, aspecto legal de elevada importância para permitir o aprofundamento e agilização dos trabalhos de auditoria contábil tributária.
  • Parte 3 – Introdução à auditoria contábil tributária: compreende os capítulos 6 a 9. Aqui é dada ênfase aos principais aspectos doutrinais e normativos relacionados à prática de uma auditoria contábil, incluindo os conceitos-chaves de roteiros de auditoria, testes substantivos, amostragem e papéis de trabalho, lançando as bases para o entendimento sobre como desempenhar uma auditoria contábil tributária.
  • Parte 4 – Procedimentos de auditoria contábil: compreende os capítulos 10 a 19. Aqui são apresentados, de forma detalhada, os principais procedimentos específicos que devem ser aplicados para identificação de fraudes nas contas patrimoniais e nas contas de receitas e despesas, com ampla base normativa, exemplos, estudos de caso e farta jurisprudência ilustrando cada um dos capítulos.
  • Parte 5 – Aplicativos de auditoria contábil: compreende o capítulo 20. No último capítulo, é apresentada uma introdução aos aplicativos que podem ser utilizados em uma auditoria contábil tributária. Os aplicativos foram classificados como: sistemas de base; sistemas especialistas em auditoria tributária (Seat), sistemas generalistas de auditoria (SGA) e sistemas utilitários. Um destaque especial foi dedicado aos principais aplicativos especialistas em auditoria tributária atualmente em uso pelas administrações tributárias: o ContÁgil Lite e o AEBR.

Palavras Finais

Escrever um manual de auditoria contábil focado no aspecto tributário com vistas à recuperação de receitas, sem dúvidas, foi um grande desafio, considerando que esta tarefa nunca poderá ser considerada como completa, não apenas pela quantidade dos tipos de fraudes contábeis praticadas, mas principalmente pelas formas como são praticadas e pelos seus desdobramentos. Um exemplo bem característico dessa realidade são os suprimentos de caixa de origem não comprovada, nos quais já conseguimos catalogar mais de dez formas pelas quais esse tipo de fraude vem sendo praticado.

O nosso objetivo com este Manual de Auditoria Contábil Tributária é despertar os auditores fiscais para o potencial de recuperação do crédito tributário por meio da auditoria contábil e para o desenvolvimento de novos estudos a fim de ampliar o conhecimento e a aplicabilidade da auditoria contábil pelas administrações tributárias.

Esperamos manter este “livro vivo” com novas edições, nas quais esperamos trazer os avanços de nossos permanentes estudos sobre o tema, novas experiências compartilhadas pelos auditores que têm participado de nossas turmas de treinamento em auditoria contábil tributária, além das sugestões que esperamos receber dos que tiverem acesso a esta primeira edição.

Um grande abraço e boa leitura.

Alexandre Alcantara da Silva

Maio, 2024 | 1ª edição


Ficha catalográfica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S586 Silva, Alexandre Alcantara da Silva

Manual de Auditoria Contábil Tributária / Alexandre Alcantara da Silva. – Vitória da Conquista, BA: Ed. do Autor, 2024
448 p. ; 23 cm
ISBN 978-65-01-00799-1

1. Auditoria contábil, Brasil. 2. Contabilidade 3. Auditoria interna. 4. Auditoria externa. 5. Fraude contábil, aspectos jurídicos, Brasil.
I. Silva, Alexandre Alcantara da. II. Título.

CDU: 657.6
CDD: 657.45

Elaborada por Larissa Melo Bezerra de Oliveira, CRB-1/ 2.410


Como ter acesso ao livro

Este livro não é comercializado. Ele é um livro exclusivo para aos auditores fiscais matriculados em nossas turma de treinamento em Auditoria Contábil Tributária do ICMS e ISSQN.

Para maiores informações sobre como levar nossos treinamentos corporativos para sua Secretaria de Fazenda Estadual ou Municipal utilize  nosso e-mail: 

Só responderemos e-mails enviados através de e-mail corporativos das respectivas Secretarias de Fazenda.


Turmas que já utilizam o Manual de Auditoria Contábil

Estas foram as Secretarias de Fazenda que já tiveram suas equipes de auditores fiscais participando de nossas turma de treinamento para atuarem em auditoria contábil, e tiveram acesso ao Manual de Auditoria Contábil Tributária.