Termômetro de Insolvência

 Por Alexandre Alcantara da Silva(*)

 

Visitando o Blog de Stephen Kanitz, achei um texto do mesmo comentando sobre seu termômetro de insolvência: Os Próximos 20 Anos Serão de Ouro II. Neste post Kanitiz destaca o contexto que o motivou a criar o seu conhecido Termômetro de Insolvência:

 

Estudei em Harvard uma matéria que me encantou: Management of Lending – Administração de Carteiras de Empréstimos.

 

Era uma matéria difícil que exigia conhecimentos de psicologia, negociação, análise de balanços, análise setorial, lei societária, lei do crédito, crédito e cobrança, lei das falências, enfim uma área em que eu teria poucos concorrentes.

 

A primeira coisa que fiz ao retornar foi criar o famoso Termômetro de Insolvência, também conhecido como o Termômetro de Kanitz, uma das primeiras experiências de credit scoring no Brasil.

 

No mesmo post ele cita a divulgação do artigo "Como prever falências de empresas", publicado na Revista Exame, edição de dezembro de 1974. Como bem ele destaca, este exemplar da Revista Exame é uma raridade, vide ao final link para a íntegra do artigo.

 

De acordo com SILVA (2010, p. 173)

 

O estado de insolvência de uma empresa pode ser definido como a incapacidade para pagar as suas obrigações financeiras na data de seu vencimento, bem como quando seus ativos forem inferiores ao valor dos seus passivos.

 

Buscando subsidiar as decisões de concessões de crédito ou mesmo subsidiar decisões estratégicas, alguns modelos têm sido desenvolvidos, e quando associados a outras técnicas de análise tornam-se instrumentos valiosos para permitir a caracterização da situação econômico-financeira das empresas.

 

Estes modelos têm por objetivo identificar, mediante procedimentos estatísticos (em especial a análise discriminante), a relação funcional entre os índices financeiros e o estado de solvência (lucros, fluxos de caixa, rentabilidade), ou de insolvência (falência, incapacidade de cumprir com as obrigações) de uma organização. Por ter como base a utilização de índices de solvência, rentabilidade e lucratividade, devem ser adequados às características de organizações de um mesmo setor.

 

Quando escrevi nosso livro de Análise de Balanço (SILVA, 2010) inseri um capítulo por título “Modelos estatísticos de previsão de insolvência”, para o qual obtive boas informações no artigo e na tese de livre docência de KANITZ: "Indicadores Contábeis e Financeiros de previsão de insolvência: a experiência da pequena e média empresa brasileira" (curiosidade: a tese, defendida em 1976, foi toda datilografada. É possível obter uma fotocópia junto a USP, pois é um excelente material para pesquisa). Posteriormente consegui o seu livro "Como prever falências", editado em 1978, onde o tema é apresentado de forma mais simplificada como o seu modelo foi desenvolvido.

 

 

No que pese a existência de vários modelos estatísticos para previsão de insolvência, uma coisa é certa e deve ser ponderada: a contabilidade brasileira padece de qualidade em seus balanços, em decorrência de alguns fatores, conforme já era citado por KANITZ (1976, p. 10-12):

 

a) sistema contábil ineficiente para captar de forma adequada as informações passíveis de escrituração;

b) falta de consciência quanto a princípios contábeis no Brasil, pois não havia à época um órgão que efetuasse pesquisas neste sentido;

c) a adulteração de balanços; e

d) a prática do window dressing (contabilidade criativa).

 

O cenário não mudou muito desde 1976, grande parte do empresariado brasileiro ainda não vislumbra a contabilidade como ferramenta de gestão, especialmente entre os pequenos e médios empresários. Esperamos que muito em breve nos livremos do jeitinho brasileiro de, na hora da necessidade, elaborar um “balanço perguntado” para satisfazer as necessidades dos analistas de crédito (vide artigo indicado sobre este tema). Alguns afirmam que com a convergência do Brasil às normas internacionais de contabilidade e de auditoria a qualidade das demonstrações contábeis irá melhorar. Esta é outra história, ainda precisa de muita pesquisa para revelar-se verdadeira.

 

Quando da leitura da tese de livre docência e do livro de KANITZ observei que em ambos, na referência bibliográfica, consta referenciado um livro de Lopes Sá: "Curso Superior de Análise de Balanço". Achei interessante que em uma tese defendida na USP constar uma referência à obra de Lopes Sá (dentre outros autores brasileiros também referenciados como: Arnaldo REIS, Aulos FRANCO, R. M. TREUHERZ, e N.H TUNG).  Intrigado com isto, em uma das conversas que mantive por telefone com o saudoso Prof. Lopes Sá o mesmo me relatou que havia participado anteriormente, em 1973, da banca de Doutorado de Kanitz, ou seja, antes do que ele chamava de conversão da USP ao modelo "estadunidense".

 

Movido pela curiosidade, eu fui dar uma lida no livro de SÁ sobre Análise de Balanço, onde verifiquei que o mesmo, quando mais jovem foi pioneiro no Brasil na análise de grande volume de balanço de empresas (7.100 balanços entre 1953 a 1957)  com vistas a identificar o perfil ideal de equilíbrio da empresas brasileiras (SÁ, 1977, p. 24-28; SILVA, 2010, p. 18-19 – vide tópico 2.2.1).

 

Em sua obra SÁ (1977, p. 25 – a primeira edição é de 1953) faz menção aos estudos realizados no início do Séc. XX pelo alemão SCHAMALENBACH, que tentava avaliar o impacto da inflação e do tempo sobre a análise de balanço, declarando a ineficácia das análises das situações estáticas, em contraposição à teoria dualista de SCHMIDT. Os trabalhos destes autores alemães são posteriormente citados por TINOCO (1992) em seu trabalho sobre avaliação patrimonial.

 

Em outro trecho, comentando o resultado de sua pesquisa, SÁ (1977, p.25) expõe:

 

Quando observamos, por exemplo, as proporções que de­vem ser guardadas entre o volume dos créditos cedidos aos clientes e o dos recebidos de fornecedores, não nos é possível ficar alheios aos pontos de conexão no tempo, relativamen­te aos investimentos e financiamentos em créditos. A im­portância da análise das situações na dinâmica é que nos conduziu à elaboração da teoria da proporção definida dos valores, que chamamos de ponto de equilíbrio do capital (ver nosso livro "O Equilíbrio do Capital das Empresas").

 

Observamos, pela análise de milhares de balanços, que existem proporções certas nas combinações dos valores de acordo com o giro ou a velocidade dos mesmos no tempo e com o processo da formação do rédito. Enunciamos a primeira das leis a respeito:

 

"Os valores que se combinam para a formação da estrutura do capital de funcionamento das empresas guardam entre si relações constantes".

 

Imagine como deve ter sido trabalhoso fazer este levantamento no final da década de 1950 por SÁ e por Kanitz na década de 70.

 

Ao abordarmos a questão do uso de indicadores setoriais obtidos através de publicações especializadas fizemos um breve comentário sobre a primeira edição da revista EXAME Melhores e Maiores (SILVA, 2010. p. 89 – nota de rodapé), para demonstrar como era complexo trabalhar como tão grande volume de dados antes do advento da microinformática.

 

A primeira edição da Revista Melhores & Maiores – uma raridade que encontrei na Biblioteca do Senado – saiu em setembro de 1974, sob a direção do Prof. Stephen Kanitz, e foi chamada “Os melhores e os maiores”. A capa destacava que seriam apresentadas as 500 maiores empresas privadas por vendas e as 50 maiores empresas estatais e como se comportou cada setor. No texto de apresentação – “como foi feito” – encontramos uma pérola do “recurso tecnológico” utilizado na elaboração do ranking. Veja uma parte do texto:

 

“Durante oito meses – a partir de 16 de dezembro de 1973 – foram examinados mais de 10 mil balanços de empresas. Chegou-se, com isso, a uma seleção de 1.600 balanços, que foram então analisados em profundidade. Os dados recolhidos em cada balanço foram passados para cartões de computador, de modo a permitir o processamento eletrônico – único meio de tornar viável um empreendimento de tal porte, em que foram efetuados cerca de 18 milhões de cálculos e consumidas 212 horas de computador.”

 

Ao longo dos anos identifiquei vários artigos sobre indicadores de insolvência. Ao final apresento uma seleção de alguns destes artigos. Creio que os mesmos podem ser sugeridos a alunos que desejam fazer uma pesquisa sobre o tema em seu trabalho de conclusão de curso, ou ainda como referência complementar para disciplina de Análise das Demonstrações Contábeis.

 

Dentre os artigos indicados destacamos:

 

a)   KASSAI & KASSAI – desvendam o modelo de insolvência de KANITZ, demonstrando como a técnica pode facilmente ser realizada utilizando uma planilha eletrônica, muito mais simples do que a forma adotada por SÁ e KANITZ;

b)   ALTMAN – dois artigos produzidos pelo professor americano, um dos mais citados pesquisadores sobre o assunto, sendo que um dos artigos foi escrito em parceria com dois professores brasileiros; e

c)    BRUNI, FAMÁ e MURRAY – trazem uma avaliação crítica de cada um dos vários modelos desenvolvidos no Brasil.

 

Caso o leitor tenha material adicional sobre o tema nos enviem (

al*******@al*******.br











), ficaremos gratos.

 


Autor

Alexandre Alcantara da Silva

Professor Universitário, em curso de graduação e pós-graduação. Bacharel em Ciências Contábeis com Pós-graduação em Direito Tributário e em Gestão Tributária. Autor do Livro Estrutura, Análise e Interpretação das Demonstrações Contábeis, 2. ed, Editora Atlas, 2010. Auditor Fiscal concursado da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, desde 1987, onde integra o seu quadro de instrutores internos. Já ocupou o cargo de Inspetor Fazendário em várias Inspetorias Fazendárias. Foi membro da equipe de elaboração e implantação do Sistema de Rotinas e Procedimentos das Inspetorias Fazendárias (PRS). Atualmente exerce atividade de auditoria fiscal e contábil junto aos contribuintes de grande porte do ICMS e integra a equipe de gestão e implantação da Escrituração Contábil Digital, um dos subprogramas do SPED, como representante da SEFAZ/Bahia. Realiza também cursos e seminários nas áreas de contabilidade, direito tributário e gestão do tempo.


 

REFERENCIAS

 

KANITZ, Stephen Charles. Como prever falências de empresas. Revista Exame. São Paulo: Abril, dez. 1974. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/61123852/ComoPreverFalenciaEmpresa-Kanitz-2> Acesso em: 01 ago. 2011

 

__________. Indicadores contábeis e financeiros de previsão de insolvência: a experiência da pequena e média empresa brasileira. 1976. Tese (Livre-docente) – Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo.

 

__________. Como prever falências. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1978.

 

__________. Os próximos 20 anos serão de ouro II. Disponível em: <http://blog.kanitz.com.br/2010/11/os-p.html> Acesso em: 01 ago. 2011

 

SÁ, Antônio Lopes de. Curso superior de análise de balanço. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1977. 2 v.

 

SILVA, Alexandre Alcantara. Estrutura, análise e intepretação das demonstrações contábeis. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010

 

TINOCO, João Eduardo Prudêncio. Avaliação patrimonial em contabilidade á valores de entrada e saída. Caderno de Estudos nº 06, São Paulo, FIPECAFI, Outubro/1992. Disponível em: <http://www.eac.fea.usp.br/cadernos/completos/cad06/avaliacao.pdf> Acesso em: 01 ago. 2011

 

ARTIGOS INDICADOS

 

ALTMAN, Edward I. Financial ratios, discriminant analysis and the prediction of corporate bankrupcy. Journal of Finance, v. 23, nº 4, p. 589-609, Sept. 1968.

 

__________; BAIDYA, Tara K. N.; DIAS, Luiz Manoel Ribeiro. Previsão de problemas financeiros em empresas. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 19, nº 1, p. 17-28, jan./mar. 1979. Também disponível em: < http://rae.fgv.br/rae/vol19-num1-1979/previsao-problemas-financeiros-em-empresas >. Acesso em: 01 ago. 2011.

 

Assaf Neto, Alexandre; RIBEIRO, Evandro Marcos Saidel; RICI, Emerson Tadeu Gonçalves. Cálculo da duration como ferramenta auxiliar aos modelos de previsão de insolvência. Disponível em: <http://www.institutoassaf.com.br/downloads/DURATION_MODELOS_INSOLVENCIA.pdf> Acesso em: 01 ago. 2011

 

BRAGA, Roberto; MARQUES, José Augusto Veiga da Costa. Análise dinâmica do capital de giro: Modelo Fleuriet. Revista de Administração de Empresas. São Paulo v. 35, n. 3, p. 46-63, maio/jun. 1995 Disponível em: <http://rae.fgv.br/rae/vol35-num3-1995/analise-dinamica-capital-giro-modelo-fleuriet> Acesso em: 01 ago. 2011

 

Bruni, A. L., Murray, A. D. & Famá, R. (1998). Modelos Brasileiros Preditivos de Risco de Crédito: Um Estudo Exploratório Atual sobre as suas Eficácias. Periódico Tema, número 32, janeiro/junho, pp. 148-167. Disponível em: <http://www.infinitaweb.com.br/albruni/artigos/a9801_Tema_Risco_Credito.pdf> Acesso em: 01 ago. 2011

 

Casa Nova , Silvia Pereira de Castro . SANTOS, Ariovaldo dos. Proposta de um modelo estruturado de análise de Demonstrações contábeis. RAE-eletrônica, v. 4, n. 1, Art. 8, jan./jul. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/raeel/v4n1/v4n1a04.pdf> Acesso em: 01 ago. 2011

Chuvakhin ,Nikolai; Gertmenian , L. Wayne. Bankruptcy Prediction in the WorldCom Age. Disponível em: <http://www.ncbase.com/papers/BP.pdf> Acesso em: 01 ago. 2011

 

Como foi feito. Brasil em Exame: os melhores e os maiores. Revista Exame. São Paulo, set 1974. p. 4. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/61400153/EXAME-melhores-maiores-1974> Acesso em: 01 ago. 2011

 

CORRÊA, Ana Carolina Costa; MATIAS, Alberto Borges; VICENTE, Ernesto Fernando Rodrigues . Balanço Perguntado: Uma Metodologia de Obtenção de Demonstrativos Financeiros de Micro e Pequenas Empresas. Disponível em: <http://www.ead.fea.usp.br/semead/9semead/resultado_semead/trabalhosPDF/52.pdf> Acesso em: 01 ago. 2011

 

Gimenes, Régio Marcio Toesca; Uribe-Opazo, Miguel Angel. Previsão de Insolvência de Cooperativas Agropecuárias por Meio de Modelos Multivariados. Rev. FAE, Curitiba, v.4, n.3, p.65-78, set./dez. 2001 65. Disponível em: <http://www.fae.edu/publicacoes/pdf/revista_da_fae/fae_v4_n3/previsao_de_insolvencia.pdf> Acesso em: 01 ago. 2011

 

KASSAI, José Roberto. Balanço perguntado: uma técnica para elaborar relatórios contábeis de pequenas empresas. Disponível em: <http://www.humbertorosa.com.br/Banco_de_Artigos/Balanco%20Perguntado/Kassai_Balanco_Perguntado_Uma_Tecnica_Para_Elaborar_Relatorios_Contabeis.pdf> Acesso em: 01 ago. 2011

 

KASSAI, José Roberto; KASSAI, Silvia. Desvendando o termômetro de insolvência de Kanitz. EnANPAD 1998. Disponível em: <http://www.anpad.org.br/evento.php?acao=trabalho&cod_edicao_subsecao=53&cod_evento_edicao=2&cod_edicao_trabalho=3552> Acesso em: 30 dez. 2006 // ou Disponível em: <http://www.cyta.com.ar/ta0301/v3n1a1/v3n1a1.htm> Acesso em 02 ago. 2011 (na íntegra – em espanhol)

 

MATIAS, Alberto Borges. SIQUEIRA, José de Oliveira. Risco bancário: modelo de previsão de insolvência de bancos no Brasil. Revista de Administração USP. São Paulo v. 31, n. 2, p. 19-28, abril/junho 1996 Disponível em: <http://www.rausp.usp.br/busca/artigo.asp?num_artigo=155> Acesso em: 01 ago. 2011

 

Sanvicente, Antônio Zoratto; Minardi, Andrea Maria A. F. Identificação de indicadores contábeis significativos para previsão de concordata de empresas. Outubro de 98. Disponível em: <http://www.risktech.com.br/PDFs/indicadores_concordata.pdf>   Acesso em: 01 ago. 2011

Editoria: Prof. Alexandre Alcantara