Competência do CRC para examinar livros contábeis
Por Alexandre Alcantara
A nota do CFC
O Conselho Federal de Contabilidade emitiu uma Nota de Esclarecimento relacionado ao Fato Relevante divulgado dias antes pela Magazine Luiza, no qual deixou evidente que a área de fiscalização do sistema CFC iria proceder uma análise dos livros e documentos contábeis da empresa, conforme segue (grifos nossos)
A mencionada comunicação aborda a correção de erros contábeis identificados nas demonstrações trimestrais de setembro de 2023.
O Sistema CFC/CRCs reafirma a consistência do arcabouço normativo existente para mensuração, evidenciação e divulgação de informações contábeis, seguindo os melhores padrões de confiabilidade exigidos pelos organismos reguladores.
Antes de qualquer análise precipitada dos fatos, é crucial distinguir aqueles que são problemas de gestão daqueles aos quais se pretende, de forma equivocada, atribuir aparência de inconsistências contábeis. A Contabilidade impõe o registro fidedigno de transações, sem vieses, assegurando a transparência, a comparabilidade e a compreensibilidade das transações executadas pelas empresas. Ressaltamos que não será admitido o uso de narrativas destinadas a encobrir manobras corporativas, descredibilizando as informações contábeis.
Embora a correção de erros esteja prevista na NBC TG 23 (R2) – Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retificação de Erro, incluindo a reapresentação de saldos em demonstrações anteriores, tais procedimentos têm diversos efeitos práticos, que podem impactar, por exemplo, o valor dos lucros distribuídos.
Alertamos que a correção de erros realizada pelo Magazine Luiza, bem como por qualquer outra empresa, ainda que realizada em conformidade com a citada NBC, é procedimento passível de fiscalização pelo Sistema CFC/CRCs.
Os Conselhos têm competência estabelecida em lei para normatizar e fiscalizar o exercício da profissão contábil, o que inclui a elaboração, a divulgação e a auditoria das demonstrações contábeis.
Portanto, tão logo teve ciência dos fatos pela mídia, o Sistema CFC/CRCs providenciou a imediata instauração do regular procedimento fiscalizatório sob competência jurisdicional do CRCSP, onde estão registrados os responsáveis técnicos pela contabilidade e pela auditoria do Magazine Luiza.
O CRCSP, responsável legal pela execução da ação de fiscalização, tem o compromisso de realizar uma apuração rigorosa e imparcial, e tomará as medidas cabíveis na responsabilização dos profissionais da contabilidade envolvidos, caso sejam constatadas irregularidades.
O CFC reforça a importância da Auditoria e do cumprimento das Normas Brasileiras de Contabilidade por todos os profissionais da classe contábil, para assegurar a transparência e a confiabilidade das demonstrações contábeis divulgadas ao mercado.
Competência do CFC para apurar a adequação das práticas contábeis
Diante deste cenário surge a seguinte questão:
Os agentes de fiscalização dos Conselhos Regionais de Contabilidade tem competência legal para examinar os livros e documentos contábeis da Magazine Luiza sem que haja quebra do sigilo de dados pelo contador da companhia?
A resposta bem objetiva para essa questão é SIM, não há quebra de sigilo de dados.
O Conselhos Regionais de Contabilidade são órgãos competentes na fiscalização do exercício da profissão contábil, principalmente no que se refere aos trabalhos técnicos de contabilidade relacionados no art. 25 do Decreto-Lei n.º 9.295/46, neles englobados os livros obrigatórios e demais documentos inerentes à organização e à execução da escrituração contábil.
Algumas decisões judiciais abordando situação análogas já foram propaladas, sendo que trazemos a seguir o destaque apenas para duas EMENTAS, porém muito importante a leitura da íntegra da respectiva decisões (links aos final de cada ementa).
MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE. FISCALIZAÇÃO. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. DECRETO-LEI Nº 9.295/46, ARTS. 10 E 25. LEGALIDADE.
1. No exercício de sua função fiscalizadora da atividade dos profissionais de contabilidade, prevista no art. 10, letra ‘c’, do Decreto-Lei n. 9.295/46, podem os Conselhos Regionais de Contabilidade requisitar informações e documentos em poder desses profissionais, não importando tal requisição na quebra do sigilo de dados.
2. Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir.
3. Apelação provida.
Apelação Cível n° 5002734-81.2010.404.7001/PR
ADMINISTRATIVO. MULTA. CENSURA PÚBLICA. CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE. DECRETO-LEI Nº 9.245/46. RESOLUÇÃO Nº 872/2000. DECORE.
No exercício de seu poder de polícia e de suas competências para fiscalizar a atividade de Bel. em Ciências Contábeis, o Conselho Regional de Contabilidade pode requisitar informações que visem a observar a regularidade daqueles que exercem atividades de contabilidade.
A Resolução CFC nº 872/2000 dispõe sobre a Declaração Comprobatória de Percepção de Rendimentos (DECORE) e, no art. 3º, reza que esta deverá estar fundamentada nos registros do Livro Diário ou em documentos autênticos
Não há falar em ofensa ao princípio do devido processo legal, quando houve processo administrativo, sem vícios, seguindo seu curso legal, sendo assegurado aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Apelação Cível nº 5002938-61.2011.404.7108/RS
Os Fatos Relevantes divulgados pelo Magazine Luiza.
A companhia divulgou este ano dois fatos relevantes relacionados à Nota de Esclarecimento emitida pelo CFC.
A primeira divulgação ocorreu em 09 de março, e tratou de comunicar ao mercado sobre o inícios de trabalhos para analisar denúncia anônima relacionada à práticas que “envolveriam operações de bonificação relativas a compras de fornecedores e distribuidores” conforme segue (grifos nossos):
O MAGAZINE LUIZA S.A. (“Magazine Luiza” ou “Companhia”), comunica, nos termos das Resoluções CVM nº 44/22 e 77/22 e da Lei nº 6.404, que tomou conhecimento de uma denúncia anônima tendo por objeto supostas práticas comerciais em desacordo com o Código de Conduta e Ética da Companhia, especificamente no que se refere a alegadas irregularidades em operações com certos distribuidores e fornecedores. Nos termos relatados na denúncia anônima, as alegadas práticas envolveriam operações de bonificação relativas a compras de fornecedores e distribuidores. A denúncia menciona três distribuidores, os quais ao longo do exercício de 2022 representaram, aproximadamente, 3,5% do valor total de compra de mercadorias da Companhia.
Diante disso, o Conselho de Administração, em reunião extraordinária, determinou ao Comitê de Auditoria, Riscos e Compliance, formado em sua maioria por membros independentes, a apuração completa dos fatos alegados na denúncia anônima, bem como autorizou a contratação de assessores externos independentes quanto aos aspectos legais, contábeis e de controles internos, de maneira que a apuração ocorra de forma independente e de acordo com os mais altos padrões de diligência. O Comitê de Auditoria, Riscos e Compliance já iniciou a apuração dos fatos narrados e reportará suas conclusões ao Conselho de Administração ao final dos trabalhos.
A segunda divulgação ocorreu em 24 de novembro, citada explicitamente na nota do CFC. Esta divulgação apresenta os resultados da apuração interna quanto a citada denúncia anônima, conforme segue (grifos nossos):
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O MAGAZINE LUIZA S.A.(“Magazine Luiza” ou “Companhia”), nos termos da Lei nº 6.404/76 e da Resolução CVM nº 44/22 e em complemento ao fato relevante divulgado em 9 de março de 2023, comunica que a apuração, conduzida sob supervisão do Comitê de Auditoria, Riscos e Compliance da Companhia (“CARC”), por TozziniFreire Advogados e PricewaterhouseCoopers, concluiu pela improcedência da denúncia anônima apresentada.
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Ao final dos trabalhos, foram identificadas incorreções em lançamentos contábeis relacionadas ao período de competência do reconhecimento contábil de bonificações em determinadas transações comerciais, e decorrente do fato de certas notas de débito – documento utilizado para o reconhecimento contábil das receitas de bonificações – terem sido emitidas pela Companhia e assinadas por fornecedores sem observar com precisão as obrigações de desempenho (as quais variam de acordo com as especificidades de cada negociação) em momento específico no tempo, conforme dispõe o CPC 47 – Receita de Contrato com Cliente.
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Diante dos fatos apurados, o Conselho de Administração determinou, nos termos do CPC 23 – Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retificação de Erro, a correção dos lançamentos contábeis correspondentes, os quais foram refletidos no Formulário de Informações Trimestrais relativo ao terceiro trimestre deste ano (“ITR do 3º Trimestre”), divulgado nesta data, que reflete, conforme Nota Explicativa n. 2.2, ajuste acumulado no patrimônio líquido da Companhia no valor de R$ 829,5 milhões em 30/06/2023, líquido de impostos e sem impacto no seu fluxo de caixa.
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A Companhia informa ainda que, com base em recente decisão do STJ e na opinião de seus assessores legais, conforme Nota Explicativa n. 10, reconheceu neste trimestre o montante de R$ 688,7 milhões (que liquido de impostos representou R$ 507,4 milhões) em créditos fiscais extemporâneos de PIS/COFINS sobre bonificações recebidos de seus fornecedores.
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Considerando os ajustes, a redução no patrimônio líquido da Companhia foi de R$ 322,1 milhões.
Expectativas criadas
Desta forma, o mercado aguarda o posicionamento do CFC, que avaliará a adequação dos procedimentos de escrituração dos fatos contábeis originários e respectiva correção posterior, inclusive sobre os procedimentos de auditoria adotados pela empresa de auditoria, que concluiu pela improcedência da denúncia anônima apresentada, e que culminou nos ajustes contábeis realizados.