O retrocesso proposto pela Receita Federal
Em recente reunião técnica com a professora Umbelina Lagioia, do Departamento de Ciências Contábeis da UFPE, um dos assuntos mais debatidos foi o caminho que a escrituração contábil está tomando, no sentido de cada vez mais refletir a realidade financeira das empresas. Essa conclusão é o resultado da melhoria na qualidade dos relatórios emitidos pela contabilidade, os quais estão contribuindo com a transparência, com a prestação de contas e com a comparabilidade das informações financeiras, permitindo que os sócios e os stakeholders tomem decisões econômicas mais embasadas.
Entretanto, na contramão dessa modernização contábil, a Receita Federal do Brasil (RFB) tem declarado que está formulando uma proposta para modificar a forma de cálculo do imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ), deixando de lado as regras contábeis do IFRS (normas internacionais de contabilidade), adotadas no Brasil desde 2008, que tiveram como objetivo a equiparação dos balanços das empresas nacionais com as do exterior. (veja aqui em outra matéria)
A principal justificativa da RFB, para abandonar o parâmetro contábil do IFRS, é que os atuais ajustes efetuados no lucro contábil para se chegar ao lucro tributável, provocam divergências entre o contribuinte e o Fisco que, por sua vez, resultam em contenciosos administrativos e judiciais. Não é difícil perceber que tal mudança levará mais complicação ao cálculo do IRPJ e, eventualmente, até em pagamento de imposto a maior, além da criação de uma segunda contabilidade para atender exclusivamente ao Fisco. Quanto a essa última possibilidade, fica evidente que a RFB estimula que as empresas mantenham uma contabilidade paralela, para registrar e apresentar as receitas tributáveis e as despesas dedutíveis, de modo que o resultado positivo apresentado seja o lucro tributável, ao invés de partir do lucro societário e efetuar todos os ajustes para se chegar ao valor do lucro tributável que é base do IRPJ.
Ao adotar esse posicionamento, a RFB, também, “inaugura” um novo conceito de lucro fiscal, impondo os seus critérios de reconhecimento/registro dos valores que devem integrar as contas de receitas e de despesas, com a suposta finalidade de reduzir os litígios tributários. Inclusive, uma amostra desse critério pode ser observada na segregação entre o lucro fiscal (base de apuração do IRPJ) e o lucro societário, para fins de cálculo dos dividendos a serem distribuídos aos sócios das empresas. Portanto, além do claro retrocesso nessa proposta pela RFB, ainda leva a classe empresarial a desconfiar que essa mudança de conceito vise tão somente o aumento da arrecadação, com a consequente problematização nos cálculos do IRPJ e a perda dos mecanismos de defesa pelos contribuintes, uma vez que estes estão suportados por sua escrituração contábil, que é a única fonte de avaliação de receitas e de despesas.
Em vista disso tudo, podemos concluir que é totalmente desnecessário estabelecer mecanismos que resultem numa separação da contabilidade (societária e fiscal), o que tornariam os controles mais vulneráveis, gerando insegurança para os usuários e caminhando no sentido contrário aos desejos dos contribuintes que são; a simplificação da tributação, a redução da burocracia e um sistema tributário moderno e eficiente.
Texto de: Cláudio Sá Leitão (Conselheiro pelo IBGC) e Luís Henrique Cunha (Sócio da Sá Leitão Auditores e Consultores)
Publicado no Diário de Pernambuco | 18.09.2019