Portugal quer reduzir açúcar do café
Açúcar no café? Saúde quer reduzir quantidade dos pacotes para metade.
Esta é a primeira proposta de um lote de medidas idealizadas pela Direcção-Geral da Saúde para reduzir o consumo de açúcar em Portugal. Embalagens individuais vão passar de oito para quatro gramas de açúcar. O director-geral da Saúde acredita que dentro de três meses os pacotes de açúcar terão metade da quantidade.
Servirem-lhe um café sem o tradicional pacotinho de açúcar ou apresentarem-lhe uma embalagem com metade da quantidade habitual nos restaurantes pode tornar-se realidade num futuro bem próximo. A Direcção-Geral da Saúde (DGS) acaba de entregar esta proposta “revolucionária” no gabinete do ministro Adalberto Campos Fernandes: a ideia é reduzir para metade ou menos de metade (dos actuais oito gramas para apenas quatro ou três gramas) a quantidade de açúcar das embalagens individuais (saquetas) servidas na restauração e tornar obrigatório que estes pacotes apenas sejam disponibilizados aos clientes se o pedirem expressamente.
“Apesar de já existirem embalagens com menos açúcar [no mercado], pretende-se que a redução para três ou quatro gramas passe a ter carácter vinculativo, obrigatório, e que estes pacotes não sejam distribuídos de forma passiva aos cidadãos, para evitar o desperdício, que se estima em cerca de 40%”, justifica ao PÚBLICO o director-geral da Saúde, Francisco George.
Mas esta proposta é apenas a primeira de um lote de medidas que visam reduzir o consumo de açúcar e, consequentemente, diminuir a taxa de doenças crónicas, especialmente a diabetes tipo 2 e a obesidade, dois dos principais problemas de saúde pública em Portugal, afirma. Apesar de a medida ainda ter de ser discutida e passar pelo crivo dos responsáveis do Ministério da Economia, e de se seguir depois todo um processo legislativo, Francisco George acredita que tem todas as condições para se materializar num futuro próximo.
O director-geral assume que não tem medo de polémicas: “A economia não pode estar contra a saúde dos cidadãos. Se há provas de que o açúcar está na origem de problemas graves, tem que haver uma aliança estratégica”. Uma aliança que envolva não só os sectores da saúde, da economia e da indústria, mas “todos os cidadãos, pais, avós, filhos”, elenca.
“Sabemos que há uma relação estreita entre o consumo de açúcar e a diabetes tipo 2 e sabemos que todos os anos há 60 mil novos casos de diabetes”, num país em que se estima que cerca de um milhão de pessoas sofra já desta doença crónica, enfatiza George. Este é um primeiro passo, idealiza, de “um processo educativo que visa a promoção de mais literacia e auto-cuidados que possam conduzir à redução da diabetes e da obesidade”.
É até “um primeiro sinal” para chamar a atenção da população para o facto de” haver aqui um problema”, diz o médico que acredita que o processo vai “avançar rapidamente”, idealmente “ao longo do primeiro trimestre” deste ano.
Crianças consomem muito açúcar
A proposta foi desenvolvida no quadro de um programa a que a DGS chama “Uma nova ambição para a saúde pública” e os trabalhos estão “na fase inicial”. Seguir-se-ão, depois, as outras medidas que Francisco George prefere por enquanto não divulgar e que se inserem no tal programa de “educação para a saúde”.
Estas medidas passam por um aumento das taxas dos produtos alimentares com excesso de açúcar, como tinha chegado a ponderar o anterior secretário de Estado e ministro da Saúde, Fernando Leal da Costa (e que se estendiam ao sal em excesso)? Francisco George não responde. O mais importante, nesta fase, é chamar a atenção para “o risco” que o excesso de açúcar representa para a saúde, defende.
O médico recorda que o açúcar é ingerido não só da forma mais evidente, como a dos pacotinhos e do açúcar refinado em geral, e que é preciso levar também em conta as quantidades consumidas através de produtos como os refrigerantes ou os alimentos sob a forma de sobremesas.”O consumo de açúcar conduz ao consumo de insulina do pâncreas e a insulina gasta-se. É como as minas de ouro”, compara, sublinhando que um simples refrigerante açucarado de tamanho convencional (350 ml) tem “três, quatro ou até cinco pacotes de açúcar”.
Em Março de 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tomou uma posição e recomendou que o consumo de açúcares simples adicionados à alimentação se mantivesse abaixo de 10% das calorias ingeridas diariamente, aproximando-se idealmente de 5% do total de energia consumida. Isto significa que o total de açúcar adicionado aos alimentos (por exemplo em refrigerantes, sobremesas, cereais de pequeno-almoço) não deverá ultrapassar as seis colheres de chá de açúcar por dia. Uma lata de refrigerante tradicional pode conter 10 colheres de chá de açúcar.
Segundo a OMS (que se baseia nos últimos estudos disponíveis), o consumo de açúcar pelas crianças portuguesas aproxima-se dos 25% da energia ingerida diariamente, ou seja cinco vezes acima dos 5 % ideais. Estudos recentes, como o EPACI (Estudo do Padrão de Alimentação e de Crescimento na Infância),desenvolvido em parceria pela Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica, a Faculdade de Medicina e o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, e o Geração 21 indicam que as crianças portuguesas começam a consumir doces muito cedo, logo a partir dos 12 meses. Aos quatro anos, mais de metade bebe já refrigerantes açucarados todos os dias e 65% come doces diariamente.
Já no que toca a vendas de refrigerantes calóricos, Portugal situava-se um pouco abaixo do meio da tabela numa lista de mais de meia centena de países estudados pela Euromonitor International em 2014. Os maiores consumidores eram os chilenos, os mexicanos e os norte-americanos e os menores, os indianos.
Petição em 2011
Esta não é, porém, a primeira vez que a ideia de reduzir a quantidade de açúcar nas embalagens individuais é debatida em Portugal. Em 2011, um grupo de quatro alunos da licenciatura em Gestão e Concepção de Políticas Hospitalares do Instituto Politécnico de Tomar chegou mesmo a lançar uma petição pública, propondo que as embalagens individuais de açúcar fossem reduzidas por razões “de saúde pública”. Na sequência desta iniciativa, o Parlamento ainda ouviu várias entidades, mas a ideia não chegou a avançar porque se concluiu então que a indústria já estava a reduzir a quantidade de açúcar nos pacotes de forma voluntária.
Na altura, o que se pretendia era que as embalagens passassem a conter um máximo de seis gramas de acúcar. O que os peticionantes propunham era que fosse alterado um decreto-lei de 2003, introduzindo um limite máximo de seis gramas para os pacotes de açúcar, como “forma de combater alguns problemas de saúde, nomeadamente, a diabetes, a obesidade, doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, cujos tratamentos têm um peso significativo para a saúde”.
Fonte: por Alexandra Campos – Portugal – Jornal Público – 14/11/2016