Onda tecnológica invade a contabilidade
Utilização de novas ferramentas deixou de ser um diferencial dos contadores para se tornar uma obrigação
Roberta Mello [Jornal do Comércio]
A tecnologia tomou conta do mundo dos negócios, invadiu as relações interpessoais, e, como não podia deixar de ser, ganha espaço na contabilidade. Inevitáveis, as novas ferramentas utilizadas pelo fisco ou por contadores na gestão empresarial e por pessoas físicas trazem mais segurança ao armazenamento e cruzamento de informações e já começam a trazer mudanças à profissão contábil.
Depois de migrar das declarações e documentos em papel para um sistema completamente informatizado e para declarações enviadas via internet, muito em breve pré-preenchidas, a Receita Federal do Brasil (RFB) é um exemplo do quanto o investimento em tecnologia contribui para aproximar os cidadãos, aumentar a arrecadação e colaborar com a apuração de indícios de irregularidades. Com um sistema considerado seguro e estável, o órgão utiliza as novidades para dar mais transparência e agilizar processos.
O superintendente adjunto da Receita Federal no Rio Grande do Sul, Ademir Gomes de Oliveira, destaca que a informatização dos sistemas e o desenvolvimento de programas como o eSocial trazem consigo mais justiça social. “As tecnologias dão maior capacidade de controle às instituições, racionalizam os recursos e trazem justiça social com a centralização das informações em um só sistema e a facilitação de seu cruzamento”, explica Oliveira.
Uma tendência é que o fisco inclua à sua lista de responsabilidades a gestão das informações empresariais. “O objetivo é simplificar o cumprimento das obrigações. Queremos que o empresário se preocupe com o seu negócio e o fisco faça o resto”, diz o subsecretário da Receita Estadual, Ricardo Neves Pereira.
O preenchimento automático da Guia Informativa Anual (GMB) com base nos dados disponibilizados mensalmente pelos contadores era uma reivindicação antiga da classe contábil e deve garantir um repasse mais justo do ICMS arrecadado aos municípios. “As GMBs são usadas para calcular o Índice de Participação dos Municípios (IPM), por isso a importância de assumirmos o papel de preenchimento dessa guia”, destaca Pereira, sublinhando que a rápida detecção do erro e comunicação ao contribuinte evita também a criação de um passivo tributário.
Tido como o programa mais importante desenvolvido pelo governo do Estado na área, e responsável pelo crescente investimento estadual em Tecnologia da Informação (TI), a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) é um instrumento de cruzamento de dados capaz de envolver os estabelecimentos conveniados, a população e a Receita Estadual. Ricardo Neves Pereira assinala que “com a nota eletrônica foi eliminada uma série de fraudes e se sabe todas as operações realizadas no Rio Grande do Sul, em tempo real”.
A Companhia de Processamento de Dados do Estado (Procergs) assumiu a tarefa pioneira de criar o sistema da NF-e, em 2006, e desenvolveu a tecnologia utilizada em 13 estados brasileiros, além do Rio Grande do Sul – entre eles Rio de Janeiro, Santa Catarina, Alagoas, Roraima e Distrito Federal. “A partir dessa experiência, mostramos a necessidade de investimento na área de TI. Exemplo disso é que antes trabalhávamos com um gigabyte de capacidade de armazenamento, hoje temos petabytes.”, destaca o vice-presidente da Procergs, Cláudio Dutra.
Profissão contábil já sente reflexos das inovações tecnológicas
Os contadores devem ser os principais interessados em otimizar os processos, avaliam os membros da Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Regional de Contabilidade (CRC/RS) Clóvis da Rocha e Ricardo Kerkhoff. Para eles, a facilidade no preenchimento, armazenamento e entrega de informações resgata a “essência da profissão”: o controle do patrimônio das organizações.
“Antes nos preocupávamos mais em cumprir as obrigações para o fisco do que em ajudar o cliente a administrar o seu negócio. Agora deixaremos de ser aqueles burocratas que simplesmente replicam as informações que chegam ao escritório para atuar justamente na gestão e no assessoramento”, prevê Rocha. Contudo, as mudanças tecnológicas também devem exigir mais investimento em qualificação e, principalmente, ânimo para acompanhar as novidades.
Conforme estimativa da Receita Federal, divulgada em 2011, cerca de 40% dos profissionais de contabilidade deixariam de prestar serviço no mercado nos anos seguintes por não conseguirem acompanhar o grande desenvolvimento tecnológico. Para Kerkhoff, os números podem ser ainda maiores, já que muitos profissionais estagnaram.
Crucial para o trabalho dos contadores em processos empresariais, o investimento em TI faz parte dos planos de apenas 8% dos 1.416 entrevistados de todo País, segundo dados da pesquisa “O impacto do eSocial nas empresas contábeis”, promovido pela Wolters Kluwer Prosoft, provedora de softwares fiscais, contábeis e de recursos humanos.
Kerkhoff garante que a mudança de paradigma na profissão é necessária e que basta encarar a realidade e ter interesse em se atualizar para continuar no mercado. “A tendência é que a procura por contadores seja até maior, graças a todo esse cruzamento de informações”, completa Rocha, salientando que a tecnologia não pode ser vista como ameaça, mas como uma grande oportunidade para a atuação.
Páginas na internet e aplicativos dão autonomia aos contribuintes
FREDY VIEIRA/JC |
Dutra diz que a tendência é ter cada vez mais aplicativos com mobilidade |
A modernização de sites e o surgimento de aplicativos diminuem as filas em guichês das Receitas Federal e Estadual e permitem que os contribuintes assumam o controle das informações utilizando programas com interfaces simples e eficientes. Para os contribuintes, a evolução tecnológica simplificará o cumprimento das obrigações.
Conforme o subsecretário da Receita Estadual, Ricardo Neves Pereira, “uma grande preocupação é com o chamado custo de conformidade, associados ao cumprimento das obrigações tributárias”. A tendência é que o fisco use a tecnologia para atuar em mais frentes na contabilidade, abrangendo da gestão de informações ao seu cruzamento.
Em constante evolução, o próximo intuito da NF-e no Estado é chegar ao consumidor, o que traz a necessidade de investimentos ainda maiores. A Nota Fiscal Eletrônica ao Consumidor (NFC-e) já está disponível aos estabelecimentos que quiserem aderir e deve facilitar a regularização dos pequenos estabelecimentos, além de assegurar às pessoas físicas a legalidade da compra. “Essa nota terá um código de barras bidimensional (QR Code) e permitirá ao consumidor fazer uma consulta diretamente no fisco para ver se a nota foi registrada, se os dados estão corretos, além de, futuramente, eliminar o uso de papel”, enfatiza Pereira.
A Procergs deve disponibilizar, a partir de março, primeiramente para Android, um aplicativo (App) para dispositivos móveis. Quem quiser consultar dados da Nota Fiscal Gaúcha poderá fazê-lo de seu smartphone. “A tendência é ter cada vez mais aplicativos com mobilidade. Por orientação do governador Tarso Genro, qualquer sistema que façamos hoje para desktop, terá que ser pensando também para aparelhos móveis”, diz o vice-presidente da Procergs, Cláudio Dutra.
A Receita Federal também investe em Apps. Com o aplicativo IR Pessoa Física é possível consultar informações sobre a liberação das restituições das declarações do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), a situação cadastral de uma inscrição e acessar informações sobre restituição. Os apps Serviços de Importação, Viajantes no Exterior e o de CNPJ complementam a aproximação com os contribuintes. “Todos saem ganhando quando facilitamos a regularização”, ressalta o superintendente adjunto da Receita Federal no Estado, Ademir Gomes de Oliveira.
Sistemas seguros são decisivos para se proteger da ampliação do cruzamento de informações
A segurança dos sistemas usados pelos profissionais é crucial ante a eficiência do cruzamento de dados do fisco. O elo entre organizações, contadores e empresas de softwares se fortalece. “A empresa deve estar empenhada em ter uma postura correta, ser bem assessorada pelo seu profissional contábil e contar com uma empresa de software integrada a isso. Se um desses pilares não trabalhar em conjunto, a gestão das contas não vai funcionar”, alerta o contador Ricardo Kerkhoff.
Preocupadas com a complexidade da política tributária no País e com a sua responsabilidade, a Wolters Kluwer Prosoft no Brasil, provedora de softwares contábeis, mantém uma equipe de legislação totalmente focada nas exigências do fisco. Para o presidente da empresa, Carlos Meni, os profissionais contábeis estão cada vez mais exigentes na escolha das soluções de software. “As demandas estão concentradas em atender a diversos requisitos, com softwares que agilizem os processos de trabalho, proporcionem produtividade para sua equipe e possibilitem o oferecimentos de serviços”, conclui Meni.
“Está tudo cada vez sistematizado. Os softwares têm papel importante para evitar complicações”, completa Kerkhoff, avisando que o fisco deve fechar ainda mais o cerco aos indícios de fraudes.
Fonte: JORNAL DO COMÉRCIO – 19/02/2014