Para que reportar sustentabilidade?
Por Marina Grossi e Tatiana Botelho
O relatório de sustentabilidade vem sendo duramente criticado tanto por grupos favoráveis às causas social e ambiental quanto por seus oponentes. A mais grave das condenações está relacionada ao objetivo do instrumento: "greenwashing". Ou seja, as empresas usam o relatório de sustentabilidade para criar uma imagem "verde", sem que haja uma melhoria no seu desempenho ambiental. A questão é se o relato de sustentabilidade é um instrumento válido. Todos concordam que as empresas devem informar, com transparência e eficiência, seu impacto socioambiental, positivo e negativo. Há inclusive aqueles que consideram essas informações tão ou mais importantes que as informações financeiras.
A divulgação de informações pelas empresas é a base da saúde dos mercados financeiros modernos. O capital não pode ser alocado de forma sábia, e segura, em empresas que não informam adequadamente os riscos aos quais está exposta. A razão é simples: menos informação representa menos certeza para investidores. Da mesma forma que dados financeiros omitidos levaram a perdas milionárias no escândalo da Enron em 2000, os investidores da BP se depararam com perdas de até US$ 32 bilhões do valor de mercado da empresa por não terem sido informados sobre o risco de acidentes. Informação é o oxigênio do mercado. No mundo atual onde o intangível representa, em média, 80% do valor de mercado de uma empresa de capital aberto, a divulgação de desempenho socioambiental torna-se essencial.
As empresas deverão reportar suas métricas sobre os ativos que ela influencia e não aqueles que ela controla
Além de corrigir as falhas de mercado, o reporte de informações socioambientais impulsiona a gestão empresarial desses ativos. Ao fazer o exercício de reunir dados e práticas, a empresa inicia um processo de levantamento e monitoramento desses dados, passo necessário para avançar na gestão empresarial e, consequentemente, no seu melhor desempenho. Até o final dos anos 90, o relatório empresarial de sustentabilidade era praticamente desconhecido. Em pouco menos de uma década, tornou-se prática difundida entre as grandes empresas e, hoje, mais de dois terços das companhias na Fortune 500 publicam relatos de sustentabilidade.
Um grande problema dos relatórios, no entanto, é a falta de contexto, que resulta na incompreensão das informações pelos tomadores de decisão. Hoje, uma companhia encontra dificuldades, por exemplo, para mensurar e divulgar seus esforços para reduzir o consumo de determinado recurso natural. Para o investidor ainda não é possível perceber o valor agregado que esses esforços trarão para essa empresa. Além disso, com a falta de informação geográfica do consumo desse recurso, o governo não tem insumos para orientar políticas públicas. Os clientes e consumidores, por sua vez, não conseguem comparar o desempenho dessa empresa com o da concorrência. E a corrente de incompreensão vai se estendendo. O relatório também está desbalanceado, com o passado ocupando um espaço muito maior que os planos e compromissos futuros. Nesse contexto, nem investidores, nem consumidores, nem ONGs, nem parceiros conseguem entender a contribuição da empresa sob as perspectivas das questões sociais e ambientais.
Está na hora de virar esse jogo e medir o progresso em direção à sustentabilidade. Isso requer a utilização de métricas do mundo real, ou seja, inserir as empresas num contexto maior. Para isso, é preciso considerar métricas como as dos limites do planeta, das metas do milênio e, no futuro próximo, dos objetivos do desenvolvimento sustentável. Porque uma empresa não tem êxito em um ambiente socialmente esgarçado ao seu redor, nem irresponsável ambientalmente. No futuro, a valoração de uma empresa deverá considerar todas as formas de capital de maneira equilibrada: a econômica, a social e a ambiental. E o relato tem um papel essencial nessa transformação: proporcionar ao mercado e à sociedade um instrumento de tomada de decisão. Deverá ser compreendido tão facilmente quanto um balanço financeiro.
Três grandes mudanças ocorridas este ano prometem revolucionar a forma como as empresas entendem e reportam a sustentabilidade. No começo do ano, o Carbon Disclosure Project, chamado agora somente CDP, anunciou a criação do maior banco de dados de capital natural do mundo. O CDP que conta com o apoio de 722 investidores, gerenciando US$ 87 trilhões em ativos – isto é, um terço do capital investido no mundo -, passou a coletar dados de carbono, água e florestas de mais de cinco mil empresas. Com isso, traz para o mercado métricas confiáveis e comparáveis de desempenho passado e estratégia de futuro, buscando a integração da cadeia de fornecedores.
A segunda novidade foi o lançamento para comentários do arcabouço do Relato Integrado (RI), em abril. O RI busca principalmente uma mudança de processo, visando medir os ganhos e perdas em seis fluxos de capital: financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social e relacional e natural. O objetivo principal é explicitar a criação de valor dos aspectos extra-financeiros para os investidores. Empresas brasileiras como a CCR, Natura, Petrobras, BNDES, AES, Itaú e Votorantim já aderiram a essa iniciativa com pilotos do programa.
Por último, a nova geração de diretrizes do Global Reporting Initiative (GRI) trouxe maior foco na materialidade e uma mudança simples, mas revolucionária, no escopo dos relatos: as empresas deverão reportar suas métricas sobre os ativos que ela influencia em vez de reportar sobre os que ela controla. Nesse contexto, fica impossível falar de questões materiais sem incorporar a cadeia produtiva. Quando trazemos fornecedores e consumidores para a discussão, fica difícil não fazer a integração da sustentabilidade não só com o setor financeiro, mas com todas as áreas da companhia.
Acreditamos que essas ferramentas vão ajudar na construção de economias equitativas e resilientes, em que as empresas operem de forma integrada com sua cadeia de fornecimento, mercados, sociedade e economias, e com o planeta. Que estes instrumentos possam abarcar melhor toda a complexidade da sustentabilidade empresarial, promovendo o relato cada vez mais simples e compreensível a todos.
Marina Grossi é presidente executiva do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds)
Tatiana Botelho coordena a iniciativa de transparência e relatos do Cebds