QUEM SOBREVIVERÁ AO SPED?
Por Reginaldo de Oliveira
Mudar hábitos arraigados não é tarefa fácil. Mais difícil ainda é passar por transformações abruptas com características de catarse. Imagine a dificuldade de um boxeador que da noite para o dia se vê obrigado a seguir a carreira de bailarino. É mais ou menos isso o que está acontecendo com uma gama variada de empresários. Há pouco tempo um comerciante do centro de Belém do Pará recebeu várias ofertas vantajosas de aquisição de pontos comerciais bem situados. Os ofertantes são empresários vencidos pelo paroxismo burocrático dos controles fiscais. Esse pessoal simplesmente não conseguiu segurar a onda de mudanças radicais que vem balançando as estruturas de empreendimentos anteriormente tidos como sólidos e inabaláveis. Essa dita onda tsunâmica está deixando muita gente desorientada e sem nenhuma alternativa para salvar os negócios, visto que hábitos forjados no molde da sonegação tributária dificilmente serão modificados, não importando a pressão dos controles mirabolantes imposta pelo Fisco. Os ventos da mudança de paradigma já são perceptíveis há muito tempo. O problema é que os alertas fiscais não foram levados a sério. Agora, a brisa lá de trás já se transformou num vendaval e logo, logo, irá adquirir proporções de um furacão a devastar estruturas administrativas mal construídas.
O modelo de gestão vigente nessas empresas enfermas só considera existência dos setores financeiro e comercial. O setor administrativo é uma coisa que sempre está meio que à deriva; uma coisa que vai se ajeitando por si só. Os responsáveis por essas administrações empíricas não conseguem sequer identificar as causas da sua ineficiência, como também não conseguem compreender a natureza das ações bem sucedidas que alavancaram o desempenho do concorrente que está rodando fiscalmente a 100%. O empresário tradicionalista não costuma perder tempo com assuntos que não envolvam compra e venda. Seus funcionários são toscos e de baixíssima capacitação profissional. Sua estrutura de informática é mínima. Seu controle interno tem mais furos do que um queijo suíço. Ou seja, a sustentabilidade do negócio está diretamente ligada à prática da sonegação de tributos. A sonegação é o contrapeso da ineficiência.
A nota fiscal eletrônica, coluna mestra do projeto SPED, está perturbando as relações do comerciante com o seu fornecedor e também com o seu contador. O fornecedor já está trabalhando com nota “cheia” e assim “entregando” a operação para o Fisco; não deixando margem para ajustes na escrituração fiscal. Alguns contadores não conseguem aplicar na escrituração de todos os seus clientes a plenitude da complexidade das obrigações fiscais; eles acabam trabalhando apenas na superfície do problema, enquanto que lá nas profundezas o resultado da inobservância de tantas novas e complexas normas fiscais é um sério risco aos negócios do cliente. Não à toa, cresce ostensivamente a insatisfação e inquietação de empresários quanto à qualidade dos seus controles fiscais.
Quando uma sucuri engole um bezerro, ela fica lá, parada, convivendo com aquela deformidade até conseguir fazer a digestão completa. É mais ou menos isso o que aconteceu com o Fisco. O SPED está lá, aquela coisa monstruosa na barriga, que pelo visto ainda vai demorar muito tempo para ser digerido. A própria Receita Federal está atolada no mundaréu de normatizações e procedimentos que empurrou goela abaixo de contribuintes absolutamente despreparados. Nas secretarias de fazenda estaduais a deficiência dos processos gerenciais é mais crítica. Quanto aos contribuintes, não existe preparo suficiente, principalmente das empresas pequenas, para se aprofundar no detalhamento e na sofisticação técnica do SPED. A Secretaria de Fazenda de Rondônia não conseguiu conferir objetividade ao gerenciamento da substituição tributária interna de ICMS, de tal forma que se viu obrigada a repristinar uma norma legal por pura falta de estrutura de tecnologia e de pessoal qualificado. O fato é que cada estado segue seu próprio ritmo; uns mais rápidos, outros mais lentos. A SEFAZ/AM dispõe de um serviço que falta a algumas secretarias de fazenda Brasil afora, que é a disponibilidade aos contribuintes via internet, das notas fiscais emitidas e recebidas. Mesmo com todos esses desencontros, é bom ressaltar que o Fisco está debruçado na análise detalhada de diversas operações fiscais. Sabe-se que no estado de Pernambuco, alguns contribuintes já são alertados pela Secretaria de Fazenda via ligação telefônica de que um determinado produto do estoque está com saldo negativo.
O complicado da coisa é que não é preciso somente haver disposição de acabar com a sonegação e rodar fiscalmente a 100%. O problema é que se tudo for pago o caixa quebra e a empresa fecha as portas. O cerco fiscal via SPED está finalmente mostrando que a carga tributária é insustentável. Muitos que decidiram cumprir à risca a insanidade das regras fiscais estão quebrando. O problema não é só pagar. Problema maior é cumprir as ultra complexas normas de controle fiscal, que exigem um altíssimo custo para construir uma megaestrutura administrativa que envolve sistemas caríssimos de informática e mudanças radicais nos modelos de gestão, além de altos investimentos no quadro de profissionais especializados, sendo que tais profissionais especializados são cada vez mais difíceis de achar.
Um renomado consultor empresarial paulista disse que não existe mentalidade empresarial no Brasil. Prova disso são aqueles que mesmo querendo se adaptar aos novos tempos, não sabem como fazê-lo. Esse pessoal não possui conhecimentos sobre tributos, informática, contabilidade, gestão financeira, gestão de pessoas, planejamento etc. Tal ignorância os torna presas fáceis de consultores e de vendedores de soluções de gestão empresarial mal intencionados.
Publicado no Jornal do Commercio dia 21/11/2012 – A101
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