Nova tecnologia uniformiza dados contábeis
Simplificar e uniformizar o intercâmbio das informações financeiras e contábeis. Esse é o objetivo da tecnologia XBRL, sigla que em inglês significa Extensible Business Reporting Language. Criada pelo auditor independente norte-americano Charles Hoffmann, é derivada da linguagem XML, até então de uso incipiente e largamente utilizada com a massificação da internet.
Assim como outras tecnologias desenvolvidas nos últimos anos para garantir maior transparência no mundo dos negócios, XBRL quer garantir que as informações contábeis sejam publicadas de modo transparente, padronizado e compreensível. O novo modelo de comunicação de dados financeiros, desenvolvido desde 1998, já é utilizado por alguns países. A intenção é automatizar a transferência de informações contábeis financeiras, como os balanços, feitas ainda em papel por meio de arquivos nos programas Word, Excell ou PDF, entre outros. No novo sistema, os dados poderão ser acessados via internet.
O padrão XBRL é gerenciado pela XBRL Internacional, um consórcio mundial com fins não-lucrativos, contando com a participação de aproximadamente 550 companhias, empresas de auditoria e informática e por várias agências e entidades internacionais, que têm por objetivo construir essa linguagem, promovendo e oferecendo suporte a sua adoção. De acordo com o especialista em governança, gestão de risco e compliance da PricewaterhouseCoopers Evandro Carreras, um dos grandes motivadores do desenvolvimento dessa nova tecnologia é a Securities and Exchange Commission (SEC) – o equivalente norte-americano à brasileira Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O novo sistema deverá ser adotado pelas grandes corporações e empresas com ações nas bolsas de valores, seguindo a tendência empregada para as novas tecnologias. “O uso massivo da XBRL não fugirá à regra”, acredita o contador, professor universitário e especialista em Direito e Gestão Tributária Alexandre Alcântara. Nos Estados Unidos, a divulgação de dados e informações contábeis é obrigatória apenas às empresas de capital aberto. “No Brasil, ainda não há um estudo sobre quem irá divulgar informações contábeis neste formato, mas seguindo a tendência internacional é provável que inicialmente comece com empresa com ações listadas em bolsas americanas”, explica Alcântara.
Nos Estados Unidos, a SEC já investiu algo em torno de U$ 54 milhões para criar um ambiente de comunicação com suporte em XBRL para substituir o banco de dados existente até então. O professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) Edson Luiz Riccio é o responsável pela introdução no Brasil do XBRL. Ele integra a Comissão Brasileira de Implementação do XBRL, criada pelo Conselho Federal de Contabilidade. Para adotar esse formato, é necessário que seja criada uma jurisdição brasileira, que regulamentará o seu uso no País.
Adoção nos Estados Unidos pode começar no final do ano
Em maio deste ano a Securities and Exchange Commission (SEC) publicou uma consulta pública para que as empresas com valor de mercado a partir de U$ 5 bilhões sejam obrigadas a enviar em 31 de dezembro próximo suas demonstrações financeiras em XBRL. Segundo Evandro Carreras, especialista da PricewaterhouseCoopers, a determinação atingiria também grandes empresas brasileiras registradas na SEC com valor acima do estipulado. Entretanto, ele não descarta mudanças em relação ao prazo.
Grandes companhias nacionais têm buscado orientação sobre os procedimentos de adoção do sistema. “A Price tem assessorado algumas empresas para a preparação, conferência e envio de informações no novo formato”, diz Carreras. O uso do XBRL depende da implantação de jurisdições nas nações interessadas em sua adoção. A jurisdição é criada dentro de um país, representa o instituto e recebe dele as atualizações, que podem ser utilizadas livremente e gratuitamente. As jurisdições já estabelecidas estão na Austrália, Bélgica, Alemanha, Inglaterra, Canadá, Dinamarca, França, Irlanda, Japão, EUA, Coréia do Sul, Holanda, Espanha e Suíça. Na China, Itália, Luxemburgo, Polônia e Emirados Árabes estão em implantação.
Para Alexandre Alcântara, contador e especialista em Direito e Gestão Tributária, a realidade é que poucas empresas se antecipam em abrir seus números e facilitar a análise dos investidores se não houver uma determinação legal, e esta ainda não existe. A própria Central de Balanços brasileira, um dos subprojetos do Sped Contábil, em estudo, não coloca a divulgação dos relatórios contábeis de forma obrigatória.
As centrais de balanços têm o objetivo de coletar, em nível nacional, demonstrativos contábeis e informações estatísticas de organizações não-financeiras, manter os bancos de dados, além de analisar e divulgar as informações obtidas, conforme definição do professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Luiz Fernando de Barros Campos. Elas permitem, entre outros benefícios, a elaboração de estudos setoriais e benchmarks que possam subsidiar as atividades dos participantes ou a condução de políticas públicas e a elaboração de estatísticas.
“Creio que a adesão será voluntária pelas companhias que historicamente têm uma tradição de transparência. Imagino que a própria Bovespa irá usar a divulgação em XBRL como um dos indicadores para dar melhor ranking às companhias de capital aberto”, afirma Alcântara.
Ferramenta reduz tempo e gastos
O uso da tecnologia XBRL será vantajoso para as empresas que a adotarem. Conforme Evandro Carreras, especialista da PricewaterhouseCoopers, ela reduz o tempo de elaboração das demonstrações financeiras. “O investidor também terá a informação de forma automotizada, o que facilitirá a análise”, diz. Com isso, haverá a tendência de redução de custo em toda a cadeia existente ao redor de quem elabora a demonstração financeira e o seu usuário final, que pode ser o investidor, um órgão regulador, banco ou entidades de fiscalização.
Para implantar o sistema, é preciso a criação de taxonomia nacional, uma espécie de dicionário de dados que permitirá o intercâmbio das informações. Esse processo envolve padronização, normalização, flexibilidade e aumento da confiabilidade. A padronização contribuirá para a diminuição do retrabalho e velocidade na entrega dos dados.
Em termos de custos de implantação, alguns aspectos devem ser considerados, diz Carreras. A parte tecnológica será feita a partir de uma plataforma XML, já bastante conhecida, onde será feita a adaptação dos dados do formato atual para a XBRL, utilizando uma plataforma XML. Ele ressalta a importância dos conhecimentos relacionados aos princípios contábeis americanos, que permitirão a ligação entre o modelo existente e o novo.
O professor do Laboratório de Tecnologia e Sistemas da Informação (Tecsi) da FEA/USP Edson Luiz Riccio diz que os benefícios podem não ser percebidos pelas empresas em um primeiro momento, por envolver uma nova rotina e tecnologia. A XBRL eliminará a digitação e descrição de dados, que podem conter erros. Haverá a padronização. “Será mais fácil a comparação de dados para o mercado de ações.” Ele estima que de três a quatro meses as primeiras empresas já estejam fazendo testes no Brasil. Segundo ele, a jurisdição da nova tecnologia está em fase de conclusão, com término previsto para três semanas. A partir disso, a taxonomia será criada.
Análise dos balanços financeiros será mais fácil
Hoje, os grandes limitadores para a análise de balanços são o acesso às informações financeiras, diversidade de padrões contábeis e principalmente um padrão único para disponibilização dos relatórios contábeis. O XBRL vem viabilizar as soluções destes problemas. As principais Centrais Públicas de Balanço ao redor do mundo começam a usar o XBRL como padrão de informações. “Estas centrais começam a surgir em vários mercados, inclusive no Brasil”, estima o contador e professor universitário Alexandre Alcântara.
O especialista ressalta que o mundo já está em franco processo de convergência às normas internacionais de contabilidades. Mais de cem países estão empenhados na uniformização das IFRS (International Financial Reporting Standard) e da (International Financial Reporting Standard). O próprio Brasil, com a promulgação da Lei 11.638/2007, que alterou significativamente o capítulo referente às demonstrações contábeis, também caminha nesse sentido. O International Accounting Standards Board (IABS) já adotou o XBRL como padrão de referência de divulgação dos relatórios contábeis.
Nos Estados Unidos, a SEC já liberou o acesso público à ferramenta Financial Explorer. O sistema possibilita aos investidores manipularem o XBRL das demonstrações contábeis publicadas pelas companhias americanas de capital aberto, permitindo dentre outras possibilidades a produção de gráficos, indicadores e tabelas com maior facilidade.
“Com o XBRL estamos criando um ambiente propício para análise de balanço dentro de um mercado global,com normas convergentes. Os analistas ganham, sim, um grande aliado em seu trabalho”, destaca. De acordo com o Alcântara, os benchmarkings ficarão potencialmente mais viáveis com surgimento de ferramentas de coleta e análise de dados em escala global.
Por parte dos governos, os maiores ganhos serão sentidos para as bolsas de valores. Normalmente vinculadas aos governo federal, passarão a usar o mesmo padrão de linguagem de todas as bolsas ao redor do mundo.
Assim, conforme Alcântara, será viabilizado o intercâmbio de informações contábeis e financeiras. Ele destaca que os governos, por força legal, não têm apresentado restrição no acesso aos dados contábeis das empresas. “O XBRL apenas deixa mais fácil esta exigência, pois as empresas poderão usar uma linguagem e taxonomia no momento de enviarem seus dados aos órgãos governamentais.”
Os grandes estudos e discussões atuais da XBRL estão focados na definição das taxonomias específicas para seus usuários. É na taxonomia, por meio de um vocabulário controlado, que poderão ser construídos documentos para a área financeira. Essa especificação dos dados, que é a explicação técnica do que vem a ser o XBRL e de como funciona (metalinguagem), forma a base da linguagem e viabiliza a função principal da mesma. Esta função é facilitar a divulgação de ampla gama de conteúdos contábil-financeiros, apesar da complexidade das informações e regras que esses devem seguir, de maneira que possam ser facilmente compartilhados, compreendidos e manuseados pelos usuários.
Fonte: Jornal do Comércio