Auditores sofrem pressão na China

Por Dena Aubin e Nanette Byrnes | Reuters, de Nova York

 
Um confronto entre autoridades reguladoras dos Estados Unidos e um braço chinês da gigante da contabilidade Deloitte está aumentando a pressão sobre os auditores que trabalham na China e complicando os esforços para conter os escândalos contábeis no país.

Em uma iniciativa incomum, a Securities and Exchange Commission (SEC) americana pediu na quinta-feira a um tribunal federal americano que force a Deloitte Touche Tohmatsu CPA, de Xangai, a entregar seus registros de auditoria da Longtop Financial Technologies, que está sob investigação por causa de uma possível fraude.

A decisão coloca a Deloitte no meio de um conflito entre as autoridades reguladoras americanas e chinesas, que precisam dar sua aprovação para que a Deloitte divulgue os documentos.

Em outro nível, o caso coloca a transparência tão cara aos investidores americanos contra o mundo mais fechado das finanças na China. "Se a Deloitte obedecer [à SEC], corre o risco de a China dizer que ela está violando as regras do país e cancelar sua licença", diz Paul Gillis, professor convidado de contabilidade da Universidade de Pequim. Se a Deloitte não obedecer à SEC, poderá sofrer sanções nos Estados Unidos, continua ele.

A iniciativa da SEC poderá, em última instância, aumentar os atritos entre as autoridades reguladoras americanas e chinesas, levando as firmas de auditoria a parar de trabalhar com as companhias chinesas com ações listadas nos EUA, afirmam Gillis e outros especialistas em direito e contabilidade.

O problema poderá até mesmo se estender além das companhias chinesas. Grandes multinacionais com negócios na China, como a Microsoft, poderão se envolver no problema se a SEC quiser ver a documentação das auditorias de suas operações chinesas, afirma Gillis.

Além disso, poderá ser apenas uma questão de tempo até que outras das "Big Four" (as quatro maiores empresas de auditoria e contabilidade do mundo) sejam envolvidas em problemas similares, diz ele.

Embora seja uma firma chinesa, o escritório da Deloitte em Xangai está registrado no Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB), que regula as firmas de auditoria, de modo que a empresa pode auditar companhias chinesas listadas nos EUA, como a Longtop.
A firma é uma das várias subsidiárias das Big Four – Deloitte, KPMG, Ernst & Young e PwC – que se depararam com problemas de contabilidade em clientes baseados na China com ações listadas nos Estados Unidos.

A Ernst & Young foi citada em pelo menos duas ações coletivas por causa de seu trabalho na Sino-Forest, uma companhia listada em Toronto acusada pela gestora de investimentos Muddy Waters de fraude contábil.

Em janeiro a KPMG disse que encontrou possíveis irregularidades na contabilidade da China Forestry e a Subaye, uma firma de serviços on-line a empresas, anunciou em abril que a PwC Hong Kong deixou de ser sua auditora em meio a preocupações com sua contabilidade. A KPMG, a PwC e a Ernst & Young não quiseram comentar o assunto.

Todas as Big Four vêm contando com o crescimento de mercados emergentes como a China para aumentar suas receitas, uma vez que os negócios em mercados maduros como os EUA estão estabilizados.

Entretanto, a maior rigidez das autoridades reguladoras americanas vem ressaltando os riscos que a atividade de auditoria enfrenta nos mercados emergentes. "Uma ação como essa poderá não só resfriar, e sim literalmente congelar a disposição de qualquer auditor de conduzir uma auditoria em empresas ou operações baseadas na China se esses resultados de auditoria puderem aparecer em documentos divulgados pela SEC", diz Jacob S. Frenkel, sócio da Shulman Rogers e ex-conselheiro sênior da divisão de fiscalização da SEC.

As companhias chinesas listadas nos EUA vêm passando por uma brecha reguladora em parte porque os inspetores de auditoria dos EUA não podem atuar na China, onde as auditorias são feitas. Os auditores também vêm resistindo a repassar registros por temerem violar a lei de sigilo de Estado da China.

"O problema que vem fermentando há algum tempo é a absoluta invasão dos mercados de capitais dos EUA por companhias chinesas, que não cumprem com as exigências de prestação de contas dos EUA", diz James Cox, professor de legislação do mercado de valores mobiliários da Duke University.

A SEC e o PCAOB vêm negociando com autoridades chinesas para ter acesso a inspeções, mas a nova iniciativa da SEC poderá complicar essas negociações, diz Gillis. "Acho que a China vai ficar mais cautelosa em firmar um acordo. Eles temem abrir um precedente antes de resolver toda a questão."

A companhia de softwares chinesa Longtop é uma das maiores empresas listadas nos EUA envolvidas em uma série de escândalos contábeis. A Deloitte desistiu de auditar suas contas em maio, alegando que encontrou registros financeiros falsificados.

A Deloitte disse que a lei chinesa proíbe sua subsidiária chinesa de entregar seus registros diretamente para uma autoridade reguladora estrangeira, e violações podem resultar em sanções severas que incluem penalizações judiciais.

"A Deloitte China está no meio de exigências conflitantes de autoridades reguladoras de dois governos", diz a porta-voz Lauren Mistretta. Ela também observa que o problema afeta todas as firmas de contabilidade na China.

Perguntada se o braço da Deloitte na China poderá perder seu registro nos EUA, Colleen Brennan, porta-voz do PCAOB, diz que o conselho não tem autoridade para revogar o registro da firma por ela não ter atendido uma intimação da SEC, acrescentando que a SEC tem seus próprios mecanismos de fiscalização.

O PCAOB não pode comentar questões que possam estar sob investigação por causa das cláusulas de confidencialidade previstas na lei Sarbanes-Oxley, que governa suas operações, disse a porta-voz. "Já dissemos, e ainda é o caso, que estamos investigando as auditorias dos emissores sediados na China", disse Brennan.

(Colaboraram Rachel Armstrong e Sarah Lynch)


 
Fonte: Valor Econômico, via Portal CFC


Editoria: Prof. Alexandre Alcantara