Parcerias e bolo ou bolo nas parcerias

Parcerias e bolo ou bolo nas parcerias

Por Inaldo da Paixão Santos Araújo

Auditor do Tribunal de Contas da Bahia.

Professor universitário. Escritor

 

“Senhor Deus, pequei, Senhor!

Misericórdia!

Senhor Deus, pequei, Senhor!

Mas, pelas dores de vossa Mãe, Maria Santíssima, misericórdia!”

(Responso apregoado na trezena de Santo Antonio)

 

Entre os tantos festejos populares brasileiros, os juninos são indubitavelmente os preferidos pelos nordestinos. Como não gostar da fogueira, das músicas, dos fogos, das quadrilhas, dos arrasta-pés, das brincadeiras, da trezena de Santo Antônio – independentemente da fé professada –, dos licores e das comidas?

 

Entre os pratos típicos dessa época santa, mágica e alegre, o bolo de aipim é, para mim, inigualável. Saborear uma fatia de um bolo de aipim bem feito, de mandioca, de macaxeira ou como Djavan, com sua “Farinha”, ensinou-me, da raiz de “uma planta da família das euforbiáceas, de nome manihot utilissima”, é um prazer divino.

 

E foi justamente ao participar de uma trezena em homenagem a Santo Antônio, o Protetor dos Pobres, que comi um pedaço de bolo de aipim como há muito tempo não comia. Confesso que fiquei maravilhado. E o bolo, que me lembrou Babette em sua festa, além de me deliciar, inspirou-me.

 

Se o cinema é considerado a sétima arte (as outras são música, dança, pintura, escultura, literatura e o teatro, não necessariamente nessa ordem), para mim, a culinária é a oitava, mas que, sem semblante de dúvidas, deveria ser a primeira, pois a comida alimenta o corpo que, nessa vida, é a morada do imortal espírito. E sem um corpo alimentado, como ter sabedoria, como praticar qualquer tipo de arte?

 

Entretanto, infelizmente, como rememora Rubem Alves, “a culinária nunca recebeu o reconhecimento acadêmico e a dignidade filosófica que as artes dos olhos, as artes do ouvido e as artes do corpo desfrutam”.

 

Como – repito – gostei muito do bolo, e pecando pela curiosidade e também pela gula, desejei saber quem era a artista, ou a mágica, que produziu aquela maravilha.

 

– Foi Dona Val, que mora na Coroa – logo me disseram. Coroa é uma pequena localidade na Ilha de Itaparica, município de Vera Cruz, Bahia. Faço questão de registrar que não estou aqui a fazer qualquer tipo de merchandising, mas, se o fizesse, seria bem merecido.

 

– Quanto custa um bolo desse? – quis saber.

 

– Ah, um bolo de aproximadamente 2 quilos custa R$25,00 – responderam-me.

 

Converso com Dona Vanda, minha sogra, especialista em gastronomia e mestre na arte de encantar com o sabor, e logo constato que o preço estabelecido é justo. Bom sinal!

 

Mesmo assim recorro à rede mundial de computadores, estudo e percebo realmente que é preciso muita especialidade e dom para saber escolher (custo e qualidade) e misturar os ingredientes (ovos, açúcar, farinha de trigo, aipim cru e coco ralados, sal, manteiga, leite e fermento em pó), suas quantidades precisas e a temperatura adequada para depois assar a mistura em forno. Essa é a receita que desejo, esses são os elementos do meu projeto básico.

 

Efetivamente não dá para fazer um bolo com minhas próprias habilidades – sou um homem das contas –, terei que comprar de terceiros (planejamento).

 

Como em tudo que faço não perco minha terrível e chata mania de auditor, faço uma perfunctória pesquisa mercadológica e constato que o valor ofertado é compatível com o preço do mercado de bolos. Em verdade, é o menor preço identificado (economicidade).

 

Como tenho orçamento e com base no meu projeto, solicito formalmente outras propostas, mas constato que a de Dona Val realmente se confirma como a mais vantajosa, pois é a de menor preço com a melhor qualidade (licitação).

 

Como também tenho dinheiro no caixa (programação financeira), emano um ato e solicito que o bolo seja bem preparado e entregue no prazo certo. E, comprometo-me, se ele for, pagarei na data aprazada (empenho).

 

Na data combinada, o bolo é entregue (eficiência), recebo-o, provo-o, atesto a qualidade (eficácia), examino a nota emitida por Dona Val (liquidação), pago a contraprestação combinada (desembolso) e as pessoas a quem ofereço um bocado do bolo se encantam (efetividade). O processo se concretiza. A parceria foi bem feita. Simples assim.

 

Mas se além da feitura do bolo eu solicitasse que Dona Val o servisse e que também se encarregasse da lavagem dos pratos após a festa, as regras de contratação também, necessariamente, seriam outras, pois aí envolveria a prestação de serviços com o fornecimento do bolo. Ou seja, o que se quer realmente é a festa. Materializa-se, assim, outro tipo de parceria.

 

Como o bolo foi feito, qual o custo para Dona Val e quais atributos básicos foram utilizados? Como saber? É realmente preciso saber? Dona Val vai querer dar a público o seu segredo?

 

Todavia, para decidir por esse tipo de negócio, eu preciso realizar um estudo fundamentado e criterioso que demonstre a conveniência e a oportunidade dessa forma de negociação, mediante identificação das razões claras, transparentes e objetivas que justifiquem essa opção. Torna-se imperioso saber o que se quer, o preço justo dessa transação, complexa ou não, estabelecer claramente as regras do jogo e analisar o risco envolvido. Também, eu deveria saber se aquela realmente seria mesmo a melhor opção de compra. Tudo feito no tempo certo.

 

Para que o princípio da economicidade prevaleça na contratação do preparo do bolo, conjugado com o serviço, urge também comparar preços com o fito de se conseguir o menor valor de contraprestação. Dessa forma, cada dinheiro gasto poderá gerar o melhor benefício possível.

 

Ademais, na efetivação dessa parceria (bolo servido) eu teria ainda de observar a eficiência (fazer bem feito) e a efetividade (fazer o que é certo) no processo, o respeito aos interesses e direitos, a responsabilidade no pagamento das contraprestações, a transparência dos procedimentos e das minhas decisões e considerar a repartição objetiva de riscos, para que o bolo fique pronto tempestivamente e não se perca a festa, ou mesmo para que o bolo não sole, ou seja, não fique endurecido, murcho e não sirva para nada.

 

Mas para que todo o processo, assim como esse artigo, não vire um “bolo” (agora utilizo a palavra com o significado de confusão e desordem) e para que a parceria não desande, vou parar por aqui mesmo. Entretanto, não se deve esquecer que sempre é bom acompanhar, pois se “confiar é bom, controlar é melhor”. Tudo também de forma simples assim.

 

Enquanto a vida segue, continuarei participando das trezenas do Doutor da Verdade, pedindo que ele me auxilie na busca daquilo que perdi, comendo os deliciosos quitutes juninos, inspirando-me e – por eu ser, “Senhor, a ovelha desgarrada”, a la Gregório de Mattos – apregoando o responso:

 

Senhor Deus, pequei, Senhor!

Misericórdia!

Senhor Deus, pequei, Senhor!

Mas, pelas dores de vossa Mãe, Maria Santíssima, misericórdia!”.


Editoria: Prof. Alexandre Alcantara