Uso da norma contábil: quando cada um julga como demonstrar…

Conforme vemos na matéria abaixo, ainda não é possível comparar e analisar com rapidez os balanços com o advento das novas normas contábeis.

 

As companhias ainda tem um grande poder de decisão na hora de escolher como e quando aplicar uma norma. A leitura atenta das notas explicativas mostrará a grande diversidade de critérios utilizados, um excelente desafio para os analistas.

 

O leitor das demonstrações contábeis deverá ficar atento para o que efetivamente impactará o caixa da companhia, pois nem sempre um aumento no PL e no resultado significa um bom desempenho de caixa ou na alavancagem da mesma.


Cruzeiro do Sul usa brecha e dobra patrimônio no IFRS

por Fernando Torres, Valor Economico

 

Ao apresentar seu balanço de 2010 conforme o padrão internacional de contabilidade IFRS – com uma semana de atraso em relação ao prazo estabelecido pelo Banco Central -, o Banco Cruzeiro do Sul exibiu uma decisão inédita entre os bancos do país, que engordou seu patrimônio líquido em mais de R$ 500 milhões. Optou por classificar a maior parte da sua carteira de empréstimos (ou R$ 6,6 bilhões), como “disponível para venda”, o que exige o registro pelo valor de mercado. Normalmente, os bancos classificam suas carteiras de títulos e valores mobiliários dessa forma. O impacto já líquido de imposto de mais de R$ 500 milhões dobrou o patrimônio do banco, que fechou 2010 em R$ 1,07 bilhão pelo IFRS.

 

Com a marcação a mercado, o fluxo de recursos que seria recebido ao longo do prazo do empréstimo é trazido a valor presente, o que causa o efeito positivo, mesmo com uma taxa de desconto.

 

A decisão deixa o banco menos alavancado para o leitor das demonstrações financeiras dentro desse padrão contábil. Principalmente porque outra regra do IFRS, essa obrigatória, exige que a carteira de crédito cedida a outros bancos com coobrigação em caso de inadimplência volte para o balanço. No caso do Cruzeiro do Sul, isso gerou aumento de 21% nos ativos totais, que subiram de R$ 9 bilhões para R$ 10,89 bilhões.

 

Essa segunda regra afeta especialmente os números dos bancos que atuam de forma relevante com empréstimos consignados e que costumam originar mais empréstimos do que realmente carregam dentro do balanço e, por essa razão, vendem suas carteiras a instituições maiores.

 

 

Conforme o Valor publicou na semana passada, o banco BMG, que se enquadra bem nesse perfil, viu seus ativos mais do que dobrarem e seu patrimônio líquido cair pela metade na comparação entre o padrão contábil do Banco Central, ainda vigente para os bancos brasileiros, e o demonstrativo no modelo IFRS. O balanço pelo padrão internacional passou a ser exigido pelo próprio BC agora, de forma paralela.

 

Mas não se sabe como ficaria o balanço do BMG se tivesse tomado a mesma decisão que o Cruzeiro do Sul para classificação dos empréstimos. Isso porque essa realocação só pode ser feita com a carteira que ainda não foi cedida.

 

“Os bancos que cedem muito não têm mais ativo para fazer o valor justo. Se o banco já cedeu de 70% a 80% dos empréstimos, o valor justo é aquele pelo qual foi fechada a venda”, afirma Luiz Octávio Índio da Costa, diretor-superintendente do Cruzeiro do Sul, ao destacar que em 2010 o banco conservou 88% dos empréstimos dentro do seu balanço.

 

Índio da Costa menciona ainda que foi possível fazer o reconhecimento da carteira de empréstimos a valor justo porque existe um mercado ativo para crédito consignado, o que não ocorre com financiamentos de empresas de médio porte, por exemplo. Esse mercado, como se sabe, entretanto, se retraiu bastante desde o episódio do PanAmericano.

 

Ainda segundo o executivo, a classificação como disponível para venda não representa uma certeza de que os empréstimos serão repassados. “Não estou dizendo que vou vender, nem as condições exatas. Se fosse assim os empréstimos entrariam na categoria de trading (para negociação)” afirma. “Mas, por outro lado, é notório que vendemos bastante em 2008, por conta crise. Então também não é certo dizer que não vamos vender”, acrescenta.

 

Para implantação do IFRS, o banco contou com assessoria da FBM Consulting. No caso da classificação dos empréstimos como disponíveis para venda, a instituição pediu ainda um parecer do professor Eliseu Martins, especialista em contabilidade e ex-diretor da CVM. “Eles me consultaram, analisei o caso, e entendi que podia ser feito”, afirma Martins. Segundo ele, a filosofia do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês), que edita as IFRS, é de que, se fosse possível, todo o balanço seria a valor justo. Dessa forma, o registro de instrumentos financeiros pelo custo amortizado (ou pela curva), prática mais comum para empréstimos e recebíveis, pode ser visto como exceção dentro das regras internacionais.

 

O professor, entretanto, faz a ressalva de que essa classificação é temporária. A partir de 2013, um novo pronunciamento contábil do Iasb deve entrar em vigor e acabar com essa categoria de “disponível para venda”, em que os efeitos do valor justo aparecendo no patrimônio. Por essa norma, chamada de IFRS 9, a depender da forma de gestão dos ativos, os instrumentos devem ser reconhecidos pelo preço de mercado ou pelo custo. Nos dois casos, o impacto ocorrerá sempre sobre o lucro do período.

 

Segundo Ronaldo Dias, sócio da FBM Consulting, no modelo atual a forma como a administração enxerga o negócio também influencia na classificação de uma carteira. Ele conta que a sua consultoria assessorou de 13 a 14 instituições financeiras na implantação do IFRS, mas que nenhuma outra optou pelo mesmo caminho do Cruzeiro do Sul. Desses clientes, diz ele, dois têm a cessão de carteira como atividade relevante, mas havia uma diferença. “Muitas instituições vendem para fundos de recebíveis do próprio banco – e não para um terceiro. Nesse caso decidiram manter os ativos como empréstimos porque, no frigir dos ovos, o crédito continua dentro do grupo”, explica Dias.


Editoria: Prof. Alexandre Alcantara