Auditoria: Europa incomodada – III
Presidente mundial da PwC critica propostas de reforma do setor
Auditoria: Comissão Europeia fala de rodízio de firmas e trabalho compartilhado.
Por Nelson Niero | Valor Econômico
Quando estourou a crise bancária de 2008, era possível notar uma onda de alívio entre os contadores. Depois do efeito terra arrasada provocado pelos escândalos do início do século, parecia que desta vez a profissão ficaria fora do alvo das críticas dos investidores e da fúria dos reguladores.
Demorou, mas o convite para o baile regulatório chegou. A Comissão Europeia recebeu neste mês quase 700 comentários para sua audiência pública sobre auditoria (ver mais nesta página), a mais concorrida até agora entre as consultas feitas sobre a crise financeira. As propostas da CE não são brandas: incluem rodízio obrigatório de firmas de auditoria, trabalhos partilhados e restrição à prestação de serviços de consultoria.
Em um seminário em Bruxelas no começo do mês, Michel Barnier, comissário de mercado interno da União Europeia, deixou claro que depois da crise financeira não é mais possível aceitar o status quo. "Nessa área de auditoria as coisas não podem ficar estagnadas", disse.
Para os contadores, pode soar como déjà vu. Quando a empresa de energia americana Enron quebrou, a repercussão foi tão avassaladora que não demorou para que seu auditor, a até então superprestigiada Arthur Andersen, também fechasse as portas.
Na sequência, o mundo caiu sobre a cabeça das concorrentes com a aprovação da Lei Sarbanes-Oxley, que, entre outras medidas draconianas, pôs fim à autorregulação do setor.
Dennis Nally conhece a história de cor. Presidente mundial da PwC, ele estava à frente da operação americana da rede de auditoria e consultoria quando as "Big Five" viraram "Big Four" depois do desaparecimento da Andersen. A repercussão foi mundial, mas a mão pesada do regulador foi sentida principalmente nos Estados Unidos. Agora, a Europa ameaça tomar a dianteira na nova onda regulatória. Se não há novidade nos temas, que voltam toda vez que surge uma crise, não quer dizer que não causem preocupação.
"Estamos num negócio de alto risco, e quando uma empresa quebra ou há uma grande fraude, adivinhe, alguém vai perguntar onde estavam os auditores", disse Nally, em entrevista ao Valor na semana passada no escritório da PwC em São Paulo.
"É justo que essas questões sejam colocadas na mesa, mas elas têm que ser colocadas no contexto de qual é a responsabilidade de uma firma de auditoria."
Para ele, se isso não vai ao encontro das expectativa dos investidores, então é preciso repensar o tipo de trabalho que os auditores fazem. E avaliar se o mercado está disposto a pagar mais por isso.
Nally também é cético em relação às propostas aventadas no "green paper" da CE, como rodízio de firmas e auditorias conjuntas. "Temos que perguntar se, no fim das contas, essas medidas vão melhorar a qualidade da auditoria", disse, citando o caso do Brasil, onde "ainda não é possível determinar se houve essa melhora". O mesmo se aplica, diz, à auditoria por duas firmas, obrigatória na França.
Apesar do aumento da pressão – principalmente sobre as grandes firmas -, Nally acredita que há um "diálogo saudável". É possível que, mais uma vez, a profissão tenha que abrir mão de autonomia, como aconteceu no passado, mas Nally mantém o discurso otimista. "O que aconteceu depois da Enron foi positivo para a profissão", disse. Ele cita a criação de uma entidade independente de fiscalização (PCAOB, na sigla em inglês) e dos comitês de auditoria nas empresas. "Eu só não faria mudanças simplesmente pelo fato de mudar", diz.
Velhos temas voltam para assombrar
A audiência pública feita pela Comissão Europeia sobre o estado da auditoria das companhias abertas, encerrada em dezembro, ressuscitou temas que o setor preferia não ter que enfrentar novamente.
A reação foi condizente com a polêmica que assuntos como rodízio obrigatório das firmas causam entre reguladores, que tendem a apoiar a medida, e firmas de auditoria, que lutam contra o que consideram uma prática que prejudica a qualidade.
A CE recebeu quase 700 comentários, a maior parte de empresas, organizações e reguladores dos países da União Europeia. Os Estados Unidos foram os que mais contribuíram fora da região, com 20 participações. Do Brasil, um comentário do Ibracon, que representa os auditores, e outro da contadora carioca Denise Juvenal.
Na justificativa para a audiência pública – "Diretriz de Auditoria: Lições da Crise" -, os técnicos da CE afirmam que, enquanto se discutia em profundidade o papel desempenhado pelos bancos, fundos hedge, agências de classificação de risco e bancos centrais, "não se dedicou muita atenção à forma como a função de auditoria poderia ser reforçada para contribuir para uma maior estabilidade financeira".
Para a Comissão, o fato de muitos bancos terem reconhecido perdas gigantescas entre 2007 e 2009 "levanta não só a questão de saber como é que os auditores puderam emitir pareceres de auditoria sem ressalvas nesses períodos, mas também a questão de saber se o atual quadro regulatório é apropriado e adequado".
A Comissão fez um apanhado das colaborações recebidas, e temas como rodízio e auditoria compartilhada, como se faz na França, não tiveram recepção muito entusiasmada. Mas a decisão só deve sair no fim do ano. Até lá, os auditores terão que cruzar os dedos. (NN)
Fonte: Valor Econômico, via FENACON
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