Nova safra de balanços requer cuidados
Por Alexandre Alcantara
Em breve começaremos a ter acesso aos balanços das companhias abertas com a evidenciação da adoção das IFRS de forma comparativa.
Não podemos nos esquecer que há uma grande diferença entre Geração de Caixa, fruto das atividades operacionais (leia-se venda de produtos e serviços) e o lucro elevado em razão de ajustes em decorrência das “novas” formas de valoração dos ativos e passivos.
Um alto grau de subjetividade (alguns dizem que ela será feita de forma responsável) implica em uma alta dose de cuidado por parte dos auditores no momento de validar os “numeros” subjetivos. Isto implicará também em redobrado cuidado por parte dos analistas, que correm o risco de verem boas performances artificiais, promessas de distribuição de dividendos, etc .e etc. Há de ser dado especial atenção à Demonstração de Fluxo de Caixa.
Quem não se lembra dos lucros mirabolantes da ENRON, que não resistiram à falta de coerência com a geração de caixa dos exercícios findos, o que foi chamdo a atenção por uma jornalista econômica. Expectativa de “geração de caixa futuro” está na ordem do dia dos novos teóricos da contabilidade. Caberá ao tempo dizer se os ativos “bem avaliados” com bases nas IFRS serão mesmos capazes de gerar o tão esperado “caixa futuro”, o qual de preferência deverá ser realmente operacional e não novamente “escritural”, sob o risco de vermos empresas se descapitalizando para pagar dividendos a um mercado ávido por lucros, “a qualquer preço”.
Que não venham dizer que a culpa foi a inadequação na hora de aplicas as novas normas, ou erro na hora de aplicar a “essência” sobre a forma.
Recomendo a leitura de uma matéria publicada no Valor Econômico, reproduzida a seguir. Uma boa dose de espírito crítico não faz mal a ninguém.
Balanços da nova era dão mais lucro
Estudo da FGV aponta que segunda fase de adoção do padrão IFRS terá impacto positivo de 20% a 30% no lucro das companhias brasileiras.
Por Fernando Torres, de São Paulo
Se não bastasse o bom momento operacional vivido pelas empresas brasileiras em 2010, os resultados financeiros que serão apresentados até o fim de março terão um componente adicional para impulsionar o lucro das companhias de capital aberto.
Trata-se da segunda fase do processo de adoção das normas internacionais de contabilidade, conhecidas pela sigla IFRS, que vai colocar os balanços das empresas brasileiras no mesmo padrão usado em cerca de cem países.
Essa diferença não vai aparecer de forma clara para os investidores como crescimento de lucro em relação ao ano anterior, já que os números referentes a 2009 também serão ajustados pelas mesmas regras e elevarão a base de comparação.
Estudo inédito da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Eaesp-FGV) diz que, assim como na primeira etapa do processo de convergência contábil, implementada em 2008, quando entrou em vigor a Lei 11.638, essa nova fase de migração para o IFRS completo trará, na média e em termos consolidados, crescimento expressivo no lucro líquido.
A conclusão reforça a tese de que a contabilidade antiga brasileira, na tradição da Europa continental e com forte influência do Fisco, era conservadora em comparação com as práticas usadas nos países de origem anglo-saxã.
A partir de agora, em tese, os balanços vão tratar melhor os acionistas, em detrimento dos credores – não só pelo efeito imediato em que os lucros maiores elevam base de distribuição de dividendos, mas principalmente porque haverá mais informação que interessa ao investidor e os valores estarão mais perto da realidade.
O trabalho, da professora Edilene Santana Santos, foi financiado pelo GVpesquisa e contou com colaboração do aluno de graduação Aleksander Juswiak, por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic).
O estudo analisou os resultados de 20 empresas de capital aberto em três momentos: com a contabilidade antiga do Brasil, tendo como base as normas vigentes até 2007; com os ajustes decorrentes da Lei 11.638, válidos de forma obrigatória a partir de 2008; e com a adoção plena dos comandos do IFRS. Entre as companhias da amostra estão AmBev, Gerdau, TAM, Gol, Natura, Net, Cyrela, Lojas Renner e Souza Cruz.
As empresas do estudo foram escolhidas porque tinham esses três dados disponíveis.
A pesquisa apontou que a segunda etapa de adoção das normas internacionais elevou o resultado líquido das empresas, na média, em 33% em 2007 e em 20% em 2008. No primeiro momento do processo de transição, em 2008, o efeito já havia sido positivo em 31% e 10%, respectivamente.
Mas mesmo tendo em conta que a amostra não é muito grande e que a seleção não foi aleatória – a divulgação foi feita por decisão das companhias – a pesquisadora considera que é possível prever aumento de lucro das demais companhias, um pouco abaixo do percentual de 20% a 30% identificado no estudo. Um dos motivos é que o resultado observado para a primeira fase de adoção nesse grupo de 20 empresas se aproximou do registrado em uma outra pesquisa, que contou com amostra maior, de 175 companhias. “Melhor ter uma informação com certo cuidado do que nenhuma”, afirma a professora da FGV.
O novo estudo buscou identificar também o impacto da migração para o IFRS no patrimônio líquido das mesmas 20 companhias. O resultado mostrou efeito quase nulo na primeira fase, mas elevação na segunda etapa. O efeito médio de alta foi de 4% no balanço de 2007 e de 16% em 2008.
Na segunda fase do processo de adoção do IFRS, a norma que mais teve efeito no resultado, e sempre positivo, foi o CPC 15, que trata do que os contadores chamam de “combinação de negócios” e incluem fusões, aquisições, incorporações e cisões.
Dentro dessa regra, a principal novidade é o fim da amortização do ágio gerado em aquisições. Como deixa de existir essa amortização, que era uma despesa na demonstração de resultados, o lucro das empresas aumenta. Se considerados de forma isolada, os ajustes decorrentes do CPC 15 teriam elevado, na média, o lucro das companhias em 20% em 2007 e em 58% em 2008. No processo gradual adotado no Brasil, essa amortização deixou de ocorrer desde 2009, o que minimizará os efeitos no balanço de 2010.
Na primeira fase do processo, o normativo que mais teve peso positivo foi o de incentivos fiscais, já que essas subvenções passaram a ser registradas como receita, sendo que antes não tinham efeito no lucro, só no patrimônio.
Ainda que, na média em termos consolidados o impacto do IFRS seja positivo para as empresas, não é verdade dizer que cada uma delas terá alta nos lucros.
O estudo da FGV mostrou que, em 2007, houve alta no lucro de 62% da amostra, o que significa que 38% das empresas registraram redução. Em 2008, 54% das empresas tiveram alta, ante 46% com queda no lucro.
O que puxa o resultado médio para cima é que os casos de elevação expressiva dos resultados, de mais de 10%, são mais frequentes que o de baixas relevantes.
Empresas vão ter que se explicar muito mais, diz auditor
Não são apenas os lucros que devem crescer com a adoção do padrão contábil IFRS. As notas explicativas que acompanham os balanços também aumentarão de forma significativa e, em muitos casos, vão dobrar de tamanho, afirma Bruce Mescher, sócio de auditoria da Deloitte e especialista em normas internacionais de contabilidade.
Até as empresas que já publicaram resultados trimestrais em IFRS ao longo de 2010, que ele calcula como cerca de 20% do total, deverão notar a diferença.
Isso porque a norma internacional é mais exigente em termos de divulgação de informações quando se apresenta o balanço completo.
Quando questionado sobre a probabilidade de haver erros e republicações, o sócio da Deloitte chamou atenção para o papel que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) terá a esse respeito, principalmente com as primeiras divulgações no novo padrão. “É razoável achar que haverá alguns problemas, mas especular sobre a extensão deles é quase impossível”, afirma Mescher.
Ele também diz que as auditorias estão trabalhando para garantir a consistência de julgamentos para interpretações de normas dentro de um mesmo setor, mas admitiu que não é possível evitar, com 100% de certeza, que haja tratamentos contábeis diferentes para eventos semelhantes.
Tendo em conta a experiência internacional, ele acredita que, no primeiro momento, haverá companhias que vão se restringir ao mínimo necessário em termos de divulgação.
Na Europa, uma das críticas nos primeiros anos de adoção do IFRS era referente à descrição de práticas contábeis, que costumam aparecer na primeira nota explicativa. “As empresas usavam palavras padrão. E as práticas contábeis não são necessariamente idênticas. Isso exige mais customização.”
Outro ponto que gerou discussões no exterior está ligado à divulgação de informações por áreas de negócio. “A tendência natural é não querer abrir receitas e resultados por segmento.
”
O sócio da Deloitte destaca que as companhias não devem assumir que os usuários das informações estão completamente prontos para entender a nova norma e devem ter o cuidado de explicar, para investidores e analistas, de onde vieram as diferenças contábeis. “As empresas devem esperar mais perguntas e ajudar com as informações históricas.” (FT)
Fonte: Valor Econômico, via FENACON