Auditoria: Banco do Brasil – 2
Licitação do Banco do Brasil repercute mal entre contadores
Auditoria: Leilão aleatório derrubou preço final, que ficou muito abaixo dos custos propostos por concorrentes
O Banco do Brasil conseguiu reduzir em 99,5% o preço da auditoria externa das demonstrações financeiras para 2011, mas provocou uma grita geral entre os profissionais do setor de contabilidade.
Num pregão eletrônico realizado na sexta-feira, a KPMG, atual auditoria do banco, saiu vencedora com um lance de R$ 95 mil. Sua proposta inicial foi de R$ 19,6 milhões.
Estiveram na disputa a PwC, com R$ 12,5 milhões, e a Ernst & Young Terco, com R$ 6 milhões. No contrato anterior, a KPMG cobrava R$ 6,5 milhões.
Os valores são anuais, num contrato para cinco anos.
Documentos apresentados pelos concorrentes, à disposição no site do Banco do Brasil, mostram que o valor final cobre apenas cerca de 4% das despesas gerais orçadas pela KPMG em sua proposta inicial, que eram de R$ 2,5 milhões.
Não estão incluídos aí a remuneração da equipe de 42 pessoas, estimada em cerca de R$ 2 milhões – só os dois diretores envolvidos receberão R$ 240 mil cada, no ano.
A KPMG estimou que necessitaria de 31.716 horas para auditar todas as entidades e serviços do Banco do Brasil, o que daria um preço por hora, com base na proposta original, perto de R$ 572,23. Se forem mantidas as horas previstas, o novo preço é de R$ 3 por hora.
“Esse contrato afronta a livre concorrência”, diz Rogério Rokembach, sócio da Rokembach, Lahm, Villanova, Gais e Cia., firma de pequeno porte. “Além disso, chega ao limite da ética profissional.” Para ele, o banco poderia cancelar a concorrência por se tratar de “preço vil”.
A licitação do BB ocorre em duas fases. Na primeira, em 30 minutos, há intervenção do pregoeiro. A melhor proposta nessa etapa foi da E&Y, de R$ 4,941 milhões. Na sequência, há um leilão aleatório, que pode durar de 1 segundo a 30 minutos. Nesse caso, ele durou pouco mais de 16 minutos. Teoricamente, o preço poderia ter chegado perto de zero.
O uso do chamado “leilão reverso” para contratação de auditorias é novo na instituição federal. Anteriormente, era usado o método do envelope fechado, vencendo a melhor oferta. É assim que ocorre, por exemplo, na Petrobras.
“Não se pode contratar auditoria independente por leilão, como se fosse comprar canetas”, diz Antonio Carlos Nasi, sócio da Nardon, Nasi. “De que adianta ficarmos falando de normas internacionais de auditoria e de contabilidade, de controle de qualidade, se na hora do exercício profissional vemos isso acontecer?”
Procurado, o Ibracon, instituto que representa os auditores independentes, informou que não se pronuncia sobre casos específicos.
Para um profissional do setor que prefere não ser identificado, o banco ficou em uma situação difícil, por que terá dificuldades voltar atrás, já que tecnicamente o processo foi perfeito. Não haveria agora como pedir um preço maior.
O Banco do Brasil informou por meio de sua assessoria de imprensa que o processo está em fase de homologação. A KPMG teria até ontem à noite para entregar os documentos que comprovariam sua capacidade para cumprir o contrato. Depois disso, abre-se um prazo de recursos.
A KPMG e a E&Y Terco foram procuradas, mas preferiram não se pronunciar.
Estratégia comercial explica preços
Por que uma empresa que se propõe a prestar um serviço por R$ 19,6 milhões aceita fazê-lo por R$ 95 mil, um desconto de 99,5%? Seria preciso chamar uma auditoria independente para dizer que essa conta não fecha?
Pois a KPMG, uma firma mundial de contabilidade, resolveu não fechar a conta ela mesma. O contorcionismo orçamentário tem uma explicação: a firma se dispôs a manter a todo o custo – literalmente – um cliente de peso, que está na sua carteira desde 2004. Talvez pior seria manter sua equipe semi-ocupada nos próximos anos. Mas provavelmente ninguém esperava que se chegasse a esse ponto.
O que a KPMG encontrou pela frente foi um velho rival com disposição renovada. No mundo, KPMG e Ernst & Young estão alguns bilhões abaixo de suas concorrentes maiores, PwC e Deloitte, e vêm há tempos se digladiando pelo terceiro lugar do grupo das “Big Four”.
No Brasil não é diferente, a Ernst & Young acaba de incorporar sócios e clientes da Terco, uma firma de médio porte, numa disputa em que teria derrotado a rival.
KPMG e PwC são auditorias tradicionais do setor financeiro; a Ernst & Young Terco precisa a todo custo – de novo, literalmente – firmar pé nesse setor, depois de ter perdido mundialmente a conta do ABN Amro, absorvido pelo Santander na América Latina. Atualmente, ela não audita nenhum dos grandes bancos.
A Ernst & Young Terco vinha se preparando para essa disputa no Banco do Brasil: a equipe de cerca de 20 pessoas que trabalhava no ABN custa caro. Por isso, ganhar o banco federal era uma aposta vital, mas “pontual”, como ressalta um profissional que acompanhou o processo.
No fim, não faria diferença se fosse por R$ 95 mil ou R$ 1. A perda desse contrato é terrível para a E&Y porque ela fica sem um marca de prestígio. E, daqui a alguns anos, quando o banco fizer outra licitação, a E&Y não poderá mais participar, já que o banco exige experiência anterior em uma grande instituição nos cinco anos anteriores. (NN).
Fonte: Valor Econômico – Por Nelson Niero – De São Paulo – 05/11/2010 – via
CFC