Documentos eletrônicos: o real e o virtual
por Angelo Volpi Neto
25/06/2010 – Valor Econômico
25/06/2010 – Valor Econômico
A mídia digital como suporte para documentos é a grande novidade no direito. Depois de séculos de uso do papel na estipulação de contratos, títulos de crédito, ações, documentos de identificação e o próprio papel moeda, vemos tudo isso ser expresso em documentos eletrônicos. “Do papel ao virtual, do físico ao virtual, a desmaterialização do documento!” Bradam juristas, juízes, ministros e outros tantos, em artigos, pareceres e decisões judiciais.
Mas seriam mesmo os documentos eletrônicos “virtuais” em seu sentido etéreo, e não físicos? Essa é a questão que pretendo colocar aqui, pois como veremos, suas consequências são inúmeras.
O fato de um documento eletrônico não ter sido considerado matéria, tem gerado consequências diversas. Desde a inaplicabilidade de delitos até decisões judiciais polêmicas como, por exemplo, a do Ministro Sepúlveda Pertence em 1988 em recurso extraordinário 176.626/SP- STJ.
Nesse caso, em votação unânime da 1ª Turma, foi feita distinção para efeitos tributários entre a venda do software de prateleira, com incidência de ICMS e aquele baixado na web, com incidência de ISS. Este justificado pelo fato de não possuir “corpus mechanicum”; segundo as palavras do próprio ministro. Em maio passado, após dez anos do início da ação, o Supremo decidiu que o Estado do Mato Grosso pode cobrar ICMS sobre softwares, tanto os de prateleira como aqueles baixados. Mas a decisão não foi fundamentada na questão cobrança pela materialidade, mas sim por outros quesitos.
Desde Carnelutti, com sua clássica definição de documento como: “Uma coisa representativa que seja capaz de representar um fato”, até os juristas atuais, sempre se definiu o documento como prova material, obviamente, porque nesses casos eram sempre impressos em papel.
Eis que temos agora os bits e a fantástica revolução causada pelos zeros e uns da linguagem binária. Para descrever essa nova era, o homem a cada dia inventa novas expressões. Ao fim dos anos 80 o cientista norte americano Jaron Lanier, ao desenvolver e desvendar a simulação em ambientes virtuais, fascinado e estupefato declarou: “É a realidade virtual!”. Um enorme oximoro, portanto, pois desde quando se tinha notícia, realidade e virtualidade eram absolutamente contrapostos. Mas a força desta expressão pegou, assim como tantas outras que permeiam nossas vidas digitais. Vide “tempo real”, que criou mais uma denominação temporal, até então marcada somente pelo passado, presente e futuro.
E assim, ao que parece é que se foi criando a ideia de que o ambiente digital é literalmente virtual em seu sentido clássico, onde está em oposição ao real, portanto, etéreo. Algo suscetível de realizar-se, que existe apenas como potencialidade, sendo uma abstração do que existe fisicamente.
O que ocorreu então é que a expressão virtual passou a ter outro sentido, definida como resultado de software, algo que existe apenas no ambiente computacional, como o Second Life, por exemplo. Apesar de que, seu uso acabou generalizando-se para tudo o que é mediado pela web, como amizade e comércio virtual.
Quando falamos, portanto, em um documento eletrônico como um título de crédito, chamando-o de virtual, estamos afirmando que ele é assim designado porque é produto de software ou porque supostamente não é físico?
Um documento eletrônico é composto por ondas eletromagnéticas. Einstein já havia pontuado que: “… matéria e energia são manifestações diferentes de mesma realidade física fundamental, e que podem converter-se, uma em outra, segundo a famosa equação: E = m.c2”. Ainda, de acordo com ele, “energia e massa são basicamente a mesma coisa.”
A física quântica comprovou a teoria de Einstein e vem desde então, de surpresa em surpresa, redefinindo os conceitos de matéria e energia. A luz até então considerada onda passou a ser considerada matéria. Atualmente já é pacífico o entendimento de que a informação que transita de forma eletrônica tem existência física real, e por conseguinte, material. A onda é a característica física do elétron, matéria e onda são manifestações de uma única entidade física chamada energia. Assim, podemos deduzir que bits possuem massa e volume, ambas características da matéria.
Indícios mais óbvios e palpáveis deste fato estão nas nossas contas de conexão de internet, cujo critério de cobrança é por volume de dados. Tarifadas por bytes por segundo, indicam o volume que circula por tempo.
O grande salto na invenção dos computadores foi dado quando Claude Shannon concluiu que: “A informação pode seguir todas as leis matemáticas e físicas criadas para descrever a matéria e agir como matéria física”. A partir deste momento foi possível mensurar e transmitir informação por cadeias de zeros e uns, e assim impor um fluxo físico de matéria que transmite os dados.
O polêmico projeto de lei nº 89, de 2003, cujo relator é o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), equipara dado eletrônico a “coisa” para que a subtração de arquivos digitais seja enquadrada como furto pelo artigo 155 do Código Penal. Assim sendo, subentendeu-se que há uma lacuna legislativa no país para esse tipo de crime, pois supostamente dados não seriam coisa alheia móvel.
Angelo Volpi Neto é tabelião em Curitiba, professor e escritor
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