Conflito no topo – Contabilidade em ação
O óbvio é que todo aluno de Ciências Contábeis aprende que contabilidade é um instrumento de registro e controle do patrimônio. O desvirtuamento dessa maravilhosa ciência foi patrocinado pela nossa onipresente e onipotente Receita Federal do Brasil que fez o grande favor de desmoralizar toda uma classe de profissionais através de interferências e deturpações na técnica contábil, obrigando ou induzindo a produção de informações distorcidas. Seria como se engenheiros fossem obrigados a combinar inadequadamente os compostos de uma concretagem ou utilizar vergalhões inadequados à estrutura da edificação. Ora, bolas! Quem entende de construção é o engenheiro, que usa técnicas adequadas para o bom desempenho das suas atividades. Da mesma forma, quem entende de contabilidade é o contador, ao qual são conferidas prerrogativas legais para desempenhar suas funções em prol da qualidade da informação contábil. O problema é que se fizer isso, o oceanógrafo que passou no concurso da Receita Federal para auditor fiscal pode multar a empresa por ela não depreciar “corretamente” um molde que foi descartado após seis meses de uso. Um verdadeiro atentado ao bom senso.
Com a contabilidade cheia de crateras por conta dos bombardeios da RFB, os administradores, obviamente, passaram a não acreditar que ela poderia ser usada como instrumento de produção de informações gerenciais confiáveis, valendo-se de outros meios para buscar mecanismos de aferição de resultados do negócio. Agrupamento de elementos obtidos no setor financeiro combinados com dados da produção, informações de vendas etc. carecem de sustentação por causa da ausência do elemento consolidador que aglutine os eventos patrimoniais em um grande encadeiamento lógico de informações – uma espécie de longa espiral de DNA que confere integridade ao conjunto de informações contábeis. A falta de integridade abre amplo espaço para contestações, o que impacta diretamente os interesses de sócios que não acreditam nos números apresentados pelo contador. Exemplo: um caminhão que está trabalhando a pleno vapor consta na contabilidade como totalmente depreciado – um absurdo técnico.
No final do ano de 1994, uma empresa sediada na capital maranhense apresentava uma rentabilidade fabulosa. Para completar, os cuidados com os aspectos legais eram extremamente rigorosos, onde todas as obrigações fiscais, tributárias, previdenciárias etc. eram seguidas à risca. Em meio a tantos elementos positivos havia uma situação de grande poder destrutivo: Os sócios estavam numa feroz e violenta discórdia porque não acreditavam nos demonstrativos contábeis, mesmo apresentando excelentes resultados. A desconfiança era que tais resultados seriam muito mais robustos, além de acusações de existência de várias operações que não transitavam pela contabilidade, beneficiando diretamente dois sócios tidos como comparsas. O Contador era considerado conivente de todo o imbróglio, sendo acusado de ajustes inadequados na escrituração contábil.
Quando a ruptura parecia iminente, o sócio mais respeitado contratou os serviços de um importante consultor organizacional, que por sua vez convidou um contador com grande experiência em gestão e informática. A empresa fez um expressivo investimento num avançado sistema de Contabilidade Gerencial. O contador projetou a mudança para a nova sistemática contábil através de um projeto bem elaborado, cujo desenvolvimento levou oito meses para ser concluído. A mudança foi profunda e radical. Toda a arcaica e pesada metodologia contábil foi virada pelo avesso. Trabalhos que demoravam uma semana passaram a ser feitos numa tarde e a montoeira de caixas e papéis simplesmente desapareceu; as mesas ficaram limpas, o oxigênio da sala mais puro, o estresse caiu para níveis muito baixos, o quadro de pessoal ficou sessenta por cento mais enxuto e por fim, a qualidade da informação foi conquistada e os demonstrativos contábeis ganharam credibilidade dos sócios. Com o passar do tempo a tensão foi diminuindo assim como a quantidade de advogados que cada sócio havia contratado. Surgiu um novo problema: Teve sócio que até tentou, mas ninguém conseguiu fazer maracutaias depois das mudanças.
Publicado no Jornal do Commercio em 24/09/2009 – Manaus/AM – Pag. A3