Choque contábil

O caminho rumo à harmonização das normas internacionais de contabilidade tem sido tortuoso para as empresas de energia elétrica.
Por Josette Goulart, de São Paulo
28/07/2009, Valor on Line
A intenção da Cemig era das melhores. Queria ter publicado seu balanço de 2008 seguindo integralmente as normas internacionais de contabilidade (IFRS). Mas não o fez. Esbarrou numa interpretação que altera a forma de contabilizar os ativos das concessionárias de serviço público e tem levado as elétricas a propor desde uma prorrogação do prazo para enquadramento até uma adoção “simplificada” do chamado Ifric 12.

As regras valem para 2010, mas os balanços de 2009 também terão que ser ajustados.

O caminho rumo à harmonização das regras contábeis mundiais tem sido tortuoso para as empresas de energia. Na semana passada, entretanto, uma boa notícia para o setor.

O Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb) reviu sua posição e colocou em audiência pública uma minuta para passar aceitar os chamados ativos regulatórios, que antecipam os efeitos no balanço das revisões e reajustes de tarifas. Apenas um desses ativos contabilizados hoje na Cemig, a chamada recomposição tarifária, tem efeito de R$ 300 milhões em seu balanço.

E é o principal contador da Cemig, Leonardo George, e também diretor técnico contábil da Associação Brasileira dos Contadores do Setor de Energia Elétrica (Abraconee), que conta as dificuldades que o setor tem enfrentado para seguir as novas regras contábeis. Segundo ele, já se avalia uma possível aplicação simplificada do Ifric 12, por conta das dificuldades, inclusive regulatórias, para se adequar às normas.

O tema entrou na pauta até de associações menos especializados que a dos contadores do setor. A Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib) montou uma comissão só para estudar o assunto.

O presidente da Abdib, Paulo Godoy, diz que essas alterações trarão impactos muito mais amplos do que apenas os efeitos contábeis. “Acredito que no campo das concessões é preciso se analisar cada país, porque estamos falando de uma interpretação da norma e não na regra em si”, diz Godoy. “É preciso um regime de transição, já que há grupos que possuem empresas que se enquadram na interpretação e outras não”.

Por enquanto, o consenso é que as distribuidoras de energia e as concessões rodoviárias serão efetivamente afetadas. Também todos acreditam que o trabalho para adaptação de sistemas dentro das empresas será muito grande e complicado. Mas quando o assunto é o impacto econômico nos balanços, as opiniões são diversas. Os auditores dão como certo, os analistas como improváveis e para as empresas ainda existem dúvidas.

Em nota divulgada há duas semanas, o analista da Itaú Corretora Sergio Tamashiro afirma que a mudança “pode reduzir ou aumentar o valor dos ativos fixos, mas não terão impacto no fluxo de caixa livre”. No comentário, ela recomendava a compra das ações das empresas do setor

Já os contadores lembram que a capacidade de pagamento de dividendos pelas distribuidoras de energia será atingida.

A sócia da firma de auditoria KPMG responsável pelo setor elétrico, Vânia Andrade de Souza, explica que uma das principais alterações previstas pela interpretação número 12 é a do ativo. O imobilizado vai ser dividido em financeiro e intangível e com isso não haverá mais depreciação dos ativos, somente amortização – e ela não poderá ser feita pelo prazo útil de vida, mas sim pelo prazo de término do contrato de concessão.

O ativo financeiro levará em conta a indenização do poder concedente pelos investimentos ainda não amortizados ao término da concessão. Nas contas da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia (Abradee) representam 70% do atual ativo imobilizado das elétricas. Já os ativos intangíveis, que são justamente os que trarão efeitos ao balanço, representam 30%.

O sócio da auditoria Ernst & Young Marcio Quintanilha diz que ao se amortizar um ativo pelo prazo da concessão se altera a capacidade de geração de lucro e consequentemente a distribuição de dividendos. A grande dificuldade apontada por Quintanilha, pelo qual o Brasil vai passar ao adotar a convergência das regras, é a falta de definição do valor de indenizações ao término das concessões.

Somente no ano passado o governo federal se deparou com o problema das primeiras concessões que vencem em 2015. Desde então estuda se vai licitar novamente ou prorrogar os contratos. Se uma nova licitação for feita é que teria que definir as regras para a indenização de ativos. Mas diante das novas normas contábeis, essas regras precisarão estar definidas. O problema apontado por alguns agentes é o fato de que talvez isso só possa ser feito por uma nova lei, ou medida provisória, fazendo com que os prazos fiquem apertados.

Por enquanto, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está apenas na fase inicial dos estudos para adequar o setor às novas normas internacionais. Já o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) brasileiro deve colocar no final do terceiro trimestre deste ano, segundo informações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a tradução para a interpretação número 12 do Iasb. George, da Abraconee, acredita que há tempo suficiente para se discutir profundamente o assunto. Mas não descarta a possibilidade de se ter que pedir mais prazo para que as empresas do setor elétrico brasileiro passem a adotar integralmente o IFRS.

Proposta do Iasb sobre ativos regulatórios anima setor

O Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês) colocou em consulta pública na semana passada uma proposta para alterar as normas internacionais de contabilidade (IFRS) e assim permitir o registro nos balanços de ativos e passivos regulatórios. O conselho sequer cogitava a hipótese de discutir uma revisão do seu entendimento e a publicação de uma proposta de discussão animou o setor.

Sem o reconhecimento desses ativos, as empresas de capital aberto do setor elétrico americano e brasileiro seriam fortemente afetadas. No caso do Brasil, os ativos regulatórios são aqueles reconhecidos pelas elétricas antes da revisão ou reajuste tarifário, por permissão da própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A conta, que é conhecida nas notas explicativas dos balanços como CVA, registra a variação dos custos de aquisição de energia elétrica ou gastos extras com encargos do sistema. Foi assim que a variação do dólar, que afetou o custo da energia de Itaipu no fim do ano passado, pôde ser mensurado nos balanços das elétricas antes das revisões de tarifas. Essa contabilização é permitida pela Aneel porque as elétricas têm um custo financeiro extraordinário para a compra da energia e a regra prevê o repasse integral para o consumidor.

O sócio da PricewaterhouseCoopers (PwC) Guilherme Valle diz que algumas empresas no Brasil, como EDP, Light e Equatorial Energia, alteraram os balanços de 2008, dando baixa nos ativos regulatórios. No caso da Equatorial, a baixa foi de R$ 200 milhões e gerou uma queda de R$ 36 milhões no resultado final do balanço em IFRS.

O Iasb não permitia a contabilização destes ativos por entender que não se podia reconhecer um montante que só irá se converter em caixa no futuro, segundo explica Márcio Quintanilha, sócio da Ernst & Young. “A proposta publicada pelo Iasb é apenas para discutir o assunto, mas já é um grande progresso”, afirma.

Os auditores e empresas ainda não se aprofundaram na proposta publicada pelo Iasb, na última quinta-feira. O diretor técnico contábil da Associação Brasileira dos Contadores do Setor de Energia Elétrica (Abraconee), Leonardo George, diz que em princípio o Iasb parece abrir a possibilidade de se fazer o registro de ativos regulatórios, o que seria o suficiente. Mas ele diz que ainda é preciso esmiuçar o texto para ver a necessidade ou não de contribuições. O Iasb vai receber propostas até o fim de novembro. (JG)

Fonte: Valor Econômico, via Clipping Fenacon


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Editoria: Prof. Alexandre Alcantara