Controles para quê?
Por Graziella Valenti, de São Paulo
Sadia e Aracruz, as duas companhias com ações em bolsa que perderam bilhões do dia para a noite com operações cambiais e precisaram ser compradas para preservar suas atividades, tiveram seus controles internos de 2008 aprovados pelos auditores independentes.
O atestado consta do relatório anual que entregaram em junho à comissão de valores mobiliários americana, a SEC.
Nesses documentos, chamados 20-F, KPMG e Deloitte afirmam que Sadia e Aracruz, respectivamente, tinham controles efetivos no ano passado.
A conclusão dos auditores, contudo, abre espaço para algumas discussões, em função da história recente dessas empresas.
Não seria um contrassenso a aprovação, considerando que as companhias estão processando seus ex-diretores financeiros em busca de ressarcimento dos prejuízos porque eles teriam descumprido as políticas internas?
Tomando a ótica das empresas como base, os executivos conseguiram descumprir diretrizes existentes- intencionalmente ou não. Não se conhece detalhes dos processos das empresas, mas ambas alegaram quebra das políticas desde o primeiro momento em que comunicaram as perdas ao mercado.
A dúvida fica ainda maior quando no mesmo 20-F em que os auditores falam em efetividade dos controles, as empresas apresentam as reformas que fizeram entre o quarto trimestre de 2008 e o começo deste ano de suas estruturas de controle e gestão de risco. Se eram eficientes, por que reformá-las?
Nenhum dos relatórios das auditorias comenta as modificações realizadas pelas companhias nas políticas e processos e nem mesmo o ocorrido com os derivativos.
Nem as companhias e nem as firmas de auditoria quiseram comentar o assunto. As auditorias alegam ter contratos de confidencialidade com os clientes. Já as empresas argumentam que não devem falar do assunto, pois o processo que movem contra seus respectivos ex-diretores corre em segredo de Justiça.
A discussão, de fato, não é simples e existem mais dúvidas do que respostas objetivas. A primeira pergunta difícil de se responder – apesar de básica – é o que tais controles avaliados pelos auditores garantem ou, pelo menos, deveriam garantir. O que eles de fato controlam e para que servem?
Vale lembrar que esse relatório dos auditores independentes é uma exigência da Sarbanes-Oxley, lei que foi criada em 2002 como resposta às fraudes contábeis do começo dos anos 2000, como Enron e WorldCom.
O problema, na época, era garantir que as demonstrações financeiras lidas pelos investidores correspondessem à realidade financeira das companhias.
O dilema de Sadia e Aracruz – e da crise atual como um todo – é que os balanços das companhias possivelmente eram fiéis aos fatos. Contudo, havia um risco dentro deles (os derivativos) que não estavam adequadamente mensurados. Portanto, os ritos internos das companhias não foram suficientes para garantir a preservação do futuro do negócio.
A presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Ana Maria Elorrieta, explica que, de forma geral, a avaliação dos auditores refere-se “à efetividade dos controles internos implementados em relação ao processo de preparação de demonstrações contábeis para a data de encerramento do exercício”. Ou seja, a função principal dos procedimentos avaliados é garantir que o balanço apresentado pela empresa é verdadeiro.
Além disso, segundo ela, “não cabe ao auditor fazer referência no caso de mudanças durante o exercício já que se requer que sua conclusão seja para a data base de encerramento das demonstrações financeiras”. Nas palavras de Ana Maria, a análise é feita numa data “estática”.
A própria SEC enfatiza, em sua interpretação sobre o tema de 2007, a relação dos controles e dos processos com a qualidade das demonstrações financeiras.
Porém, também o regulador americano admite que o conceito abrange características como revisão de aprovações e autorizações, ou seja, alçadas de decisões. E trata ainda da função de detectar e prevenir erros e fraudes.
Nelson Carvalho, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), da Universidade de São Paulo, explica que, conceitualmente, a análise dos controles deve chegar até as políticas das companhias. Segundo ele, os sistemas e procedimentos de controle existentes numa companhia servem para “dar amparo e consequência” às políticas.
Dessa forma, cabe aos auditores avaliarem as políticas das companhias que auditam. Para Carvalho, há espaço para julgamento qualitativo a respeito de suas eventuais fragilidades.
Nos relatórios de Sadia e Aracruz, KPMG e Deloitte afirmam que os controles averiguados dizem respeito ao registro sobre as transações com ativos das empresas, à eficiência de tais informações para a elaboração das demonstrações financeiras e, por fim, à prevenção contra aquisição, uso e alienação de ativos da empresa sem autorização prévia.
Ou seja, em relatórios muito semelhantes – apesar de feitos por auditorias diferentes e tratarem de companhias diferentes – KPMG e Deloitte evidenciam que a análise é feita apenas sob o prisma da veracidade das informações financeiras dos balanços.