Sem regulação mais firme, fraude Madoff se repetirá
O escândalo Madoff confirma, mais uma vez, que no mundo das fraudes financeiras nada é essencialmente novo. O ex-presidente da Bolsa Nasdaq, Bernard Madoff, respeitável septuagenário com estreitos laços com a aristocracia européia, especialmente a espanhola, respondeu aos agentes do FBI, na porta do luxuoso apartamento nova-iorquino, que não tinha explicação nem defesa. Disse apenas: “Paguei investidores com dinheiro que não existia”.
Exatamente como Charles Ponzi fizera quando sua “pirâmide” financeira desabou em 1926. A crise das hipotecas de alto risco, as subprimes, apressou o fim da fraude Madoff, mas não a causou absolutamente. A rigor, na atual crise, os investidores foram buscar liquidez, e Madoff não tinha o que devolver. O prejuízo estimado desse escândalo, por enquanto, é de US$ 50 bilhões.
O aspecto mais surpreendente em todo esse affair é a sua monótona repetição. Há mais de ano, a ordem financeira estava sob suspeição e, portanto, órgãos fiscalizadores norte-americanos e europeus obrigatoriamente deveriam ter notado que os juros e a lucratividade oferecida pela Bernard L. Madoff Investment Securities eram altos demais, eram o melhor negócio para grandes investidores, em qualquer comparação. Até meados de novembro, a empresa de Madoff possuía ativos de US$ 17,1 bilhões, segundo a National Association of Securities Dealers. A metade de seus clientes eram hedge funds e o restante eram poderosos bancos internacionais e grandes fortunas pessoais. Em outubro, a empresa foi a 23 entre as formadoras de mercado na Nasdaq e movimentou em média 50 milhões de ações diárias. As maiores companhias americanas operavam no mercado acionário com Masdoff.
Desde quinta-feira passada, no entanto, Masdoff é acusado pela Justiça americana de um novo esquema Ponzi , em que oferecia retornos muito mais altos que os de mercado usando dinheiro pago com a chegada de novos investidores e não utilizando a receita alcançada com as aplicações anteriores. Entre os perdedores na “pirâmide ” encontram-se até a fortuna de um prêmio Nobel e inúmeras instituições de caridade. Há uma óbvia e única pergunta frente a essa nova pirâmide: como um esquema tão grande e difundido em tantos países conseguiu perdurar por tanto tempo sem ser descoberto? Os sinais de leniência dos órgãos fiscalizadores são intensos. A Securities and Exchange Commission (SEC) , o equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil, que regulamenta o mercado acionário nos EUA, não verificou os livros de Madoff desde o registro da companhia na comissão em 2006.
A manutenção da fraude por tanto tempo denota um sério malogro do sistema de fiscalização e deixa sem resposta os que advogam que a atual estrutura regulatória norte-americana é suficiente para impedir fraudes. Durante anos, os retornos oferecidos aos aplicadores, tão superiores aos de mercado, passaram despercebidos sem despertar suspeitas na SEC. Além dessa diferença de lucratividade, outras evidências eram notórias e não chamaram a atenção da fiscalização, como o uso de uma empresa de auditoria muito pequena para um empreendimento daquele porte, sem esquecer que corretagem de títulos funcionava na mesma empresa de auditoria.
O mercado acionário mundial não repetiu o pânico vivido na quebra do Lehman Brothers. Investidores europeus, incluindo grandes bancos não conseguiram esconder as perdas milionárias. O Banco Central espanhol anunciou que abrirá uma investigação, porque naquele país as perdas superaram os 3 bilhões de euros. As autoridades monetárias francesas foram pelo mesmo caminho. É providência atrasada. Na União Européia, como nos EUA, também há necessidade de medidas reguladoras. Os bancos brasileiros estão institucionalmente isolados desse tipo de fraude. Nesse aspecto, além de signatários dos acordos de Basiléia 1 e 2, o sistema bancário brasileiro é submetido a maior rigor fiscalizatório, atitude previdente que agora demonstra o seu valor.
No Brasil o escândalo Madoff atingiu investidores individuais atraídos pelos rendimentos oferecidos fora do País por private banking ligado à pirâmide. A presidência da CVM afirmou que não conseguia entender como o velho esquema da pirâmide pode fraudar “investidores tão qualificados”. A resposta talvez esteja no fato de que Madoff era doador nas campanhas de grandes políticos e, inclusive, foi assessor da SEC em regulamentação de mercado. Ponzi não cumpriu esse papel, mas oferecia lucros igualmente fantásticos. Com um detalhe curioso sobre o pai das fraudes das pirâmides: Ponzi cumpriu pena curta nos EUA e morreu em 1949 no Brasil, como representante de companhia aérea italiana. Provavelmente, a sorte de Madoff será um pouco diferente.
(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 2 – 17.12.2008)