Mundo caminha para padronizar escrituração contábil
Muito se fala hoje em dia no valor dos ativos intangíveis que, em muitos casos, superam os ativos tangíveis de uma empresa. Grandes corporações de todo o mundo utilizam-se de técnicas avançadas como o branding para otimizar o valor de uma marca em relação ao faturamento gerado. Mas é possível mensurar o valor de uma marca?
Com certeza. E a avaliação estratégica da marca tem sido uma arma potente nas mãos dos empresários de sucesso, avaliando e compreendendo os fatores implícitos da sua capacidade de gerar lucros sustentados aos acionistas, além de benefícios aos seus consumidores.
A avaliação da marca permite mensurar o seu real valor a ser inserto no balanço patrimonial da empresa, permitindo-a, desde que elaborada nos moldes internacionais, obter benefícios tais como aumento do imobilizado da empresa; aumento do patrimônio líquido da empresa; redução do grau de endividamento da empresa em conseqüência de aumento do patrimônio líquido, facilitando o relacionamento com bancos e fornecedores.
A análise também ajuda na defesa em possíveis ações judiciais que objetivem a penhora ou arresto da marca, muito comuns hoje em dia; aumento de patrimônio para fins de participação em licitações e/ou concorrências públicas; possibilidade de redução do prejuízo apurado no demonstrativo de perdas, contabilizando o valor da marca como “resultado não operacional”.
Mas como os ativos intangíveis podem legalmente gerar valor econômico para a sua empresa e como inserir esses “tesouros” no balanço patrimonial?
Nossa legislação mostrava-se muito atrasada, se comparada aos Estados Unidos, por exemplo. Até dezembro de 2007, não havia nenhuma previsão legal que tratasse dos ativos intangíveis contabilmente e que os classificasse no balanço patrimonial. Em 28 de dezembro de 2007, foi publicada a Lei 11.638/07, a qual alterou a Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), incluindo o ativo intangível na classificação contábil.
O artigo 178 da Lei das Sociedades Anônimas passou a classificar os ativos em circulante, realizável a longo prazo, e permanente, sendo este último dividido em investimentos, imobilizado, intangível e diferido. O artigo seguinte, 179, definiu os ativos intangíveis como os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido. Até então, os intangíveis eram considerados ativos diferidos, salvo as marcas e patentes, classificadas como ativo imobilizado, o que dificultava muito sua localização no balanço patrimonial.
Mas essa alteração na Lei das Sociedades Anônimas não ocorreu por acaso. Com a necessidade de integrar as demonstrações financeiras em todos os continentes, o mundo clama e caminha para a convergência das demonstrações contábeis, especialmente com a aceitação do International Financial Reporting Standards (IFRS), normas internacionais para demonstrações financeiras. As conseqüências desse movimento envolvem maior transparência para a tomada de decisões e a avaliação de ativos e balanços das empresas multinacionais. Esses são motivos que justificam a aprovação de um modelo e a implantação de medidas para a produção de relatórios contábeis com padrões globais.
A alteração na legislação brasileira veio, então, incentivada pela decisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), exposta na Instrução CVM 457, publicada em 13 de julho de 2007 de que as companhias brasileiras de capital aberto deverão, até 2010, adotar obrigatoriamente as normas internacionais definidas pelo International Acoountings Standars Board (IASB) — Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade. A regra foi definida após uma audiência pública que durou dois meses.
As companhias abertas deverão, a partir do dia 1º de janeiro de 2009, preparar o balanço de abertura em IFRS 1, com os princípios relativos à adoção das normas IFRS pela primeira vez (IFRS 1 “First-time Adoption of International Financial Reporting Standards”).
As regras se aplicam também às instituições financeiras nacionais. Tal fato se soma à medida da Securities and Exchange Commission (SEC), órgão semelhante à CVM, nos Estados Unidos, que passou a acatar as demonstrações financeiras de FPIs (emissores privados estrangeiros) preparadas em IFRS, sem a necessidade de adequação aos padrões norte-americanos. A Europa já exige o IFRS desde dezembro de 2005 para as empresas locais e ampliou, para até o fim de 2007, a obrigatoriedade da apresentação de demonstrações das organizações estrangeiras que mantêm negócios no continente.
A consolidação na Europa, a adoção nos Estados Unidos e a confirmação pela CVM, no Brasil, demonstram que o IFRS já é uma regra global. O caminho ainda é longo, mas grandes passos vêm sendo dados no sentido de padronizar a escrituração contábil mundial em um mapa que permita a visualização completa das empresas em qualquer ponto do planeta. E os mercados sinalizam com bons olhos ao novo modelo que, aos poucos, se torna o “esperanto” contábil.
Revista Consultor Jurídico, 21 de fevereiro de 2008, por Gustavo Sardinha