Justiça Fiscal

por Reginaldo de Oliveira

Por anos a fio acompanhamos as incansáveis vozes que vêm nos alertando para o insustentável peso da carga tributária. As diversas instâncias das entidades fazendárias habituaram-se ao despudor de majorar os impostos a seu bel-prazer, convictas de que o contribuinte engoliria todos os sapos que empurrassem na sua garganta. Para esquivar-se da voracidade do Fisco, o contribuinte se acostumou à prática descarada da sonegação. O resultado dessa sopa de rapadura com jiló é um ambiente tributário funesto.

A deformação da nossa realidade fiscal culminou numa espécie de violação do inciso II do artigo 150 da Constituição Cidadã, que proíbe tratamento desigual entre contribuintes. O mais articulado e enfronhado nos altos círculos do poder escorre ileso pelas garras do Fisco, enquanto o ingênuo e deslocado do esquema é incumbido de pagar o pato – pagar por ele e pelo outro. Afinal de contas, o Estado precisa saldar seus compromissos.

Até que ponto um hospedeiro suporta o carcinoma que lhe exaure as forças?

Um fenômeno relativamente recente aponta para um novo ordenamento desse cenário dantesco. O projeto SPED vem gradualmente demonstrando seu propósito – seus múltiplos tentáculos estão se movimentando com agilidade vertiginosa. As consequências, nesse primeiro estágio, são tortuosas. Ou seja, aquele que sonegava agora está pagando demais. Na conjuntura anterior o Fisco utilizava um canhão sem alça de mira na expectativa de que os estilhaços do projétil respingassem em um ou outro contribuinte. Agora, o canhão está com mira laser (o tiro é preciso e desproporcional). O SPED pode desencadear uma ruptura do atual modelo tributário e provocar uma revolução na cultura empresarial brasileira. Quando todos estiverem pagando, todos se unirão em bloco para exigir um ambiente tributário mais justo e organizado.

O grande problema é que a maioria dos contribuintes brasileiros nunca exerceu plenamente sua cidadania; nunca cumpriu plenamente seus deveres nem jamais teve noção exata dos seus direitos. Nesse quesito, somos uma nação de analfabetos. Problema maior é que agora a balança pendeu para um dos lados. O coletado não tem mais como fugir dos seus deveres e não sabe como exigir os seus direitos.

 

Fazer valer o direito é algo muito mais complexo do que se pode imaginar, visto que para mudar um homem é preciso começar pela avó dele. Como determinadas modalidade de reivindicações são rarefeitas, os juízes não possuem familiaridade com certos tipos de demandas. Quanto aos órgãos fazendários, esses negam acintosamente direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, legislação complementar e até mesmo no próprio Regulamento do ICMS, como é o caso do represamento de créditos fiscais de uma infinidade de contribuintes que o órgão se recusa a compensar com débitos da mesma natureza tributária. Aos requerentes é transmitida a mensagem de que é mais inteligente engolir o sapo calado do que passar anos se desgastando na Justiça.

As cristalizações jurisprudenciais são consequências das demandas da sociedade via intenso debate e questionamento envolvendo interesses dos mais diversos. No caso específico da matéria tributária tais questionamentos se concentram mais na visão dos teóricos do que no exercício prático nos tribunais. Daí, o motivo da intransigência das instâncias administrativas fazendárias e reticência dos juízes, que muitas vezes se debruçam em elucubrações para decidir o óbvio e insofismável.

Será que o nosso subdesenvolvimento é a razão da existência desse estado de coisas? Ou será que o cerne do desenvolvimento de um país está justamente na mentalidade do seu povo? Desenvolvimento é uma questão de atitude? Se positivo, por que então não agir?

O filósofo alemão Peter Koestenbaum afirmou que a coragem é o reino da vontade. Assim, está mais do que na hora do encurralado contribuinte reagir, visto que a inércia dos resignados é a pedra angular que sustenta a tirania do Fisco. Se a maioria se levantar em ações judiciais o país vai parar devido ao extenso leque de inconstitucionalidades que permeia toda a legislação tributária. A coisa está tão contaminada que remendo nenhum será capaz de dar jeito nesse salseiro.

Conclui-se que o caminho mais inteligente é o da legalidade. Cumprindo seus deveres legais, o contribuinte terá poder suficiente para colocar o Fisco no seu devido lugar. Não há outra saída!! É isso ou continuaremos nessa balbúrdia que sérios problemas têm trazido ao nosso país.


Publicado no Jornal do Commercio edição 22/02/2011 – Manaus/AM – pág. A4 – www.reginaldo.cnt.br/artigo42.jpg
 


Editoria: Prof. Alexandre Alcantara