COVID-19: Proposta para constituição da Reserva para Contingências
Os estimados Professores Drs. Natan Szuster & Eliseu Martins, neste grave momento de crise de saúde e crise econômica nos proporcionam o acesso a um amplo e excelente estudo, propondo uma forma para a constituição da Reserva para Contingências em virtude da Pandemia do Coronavírus.
Recomendo a leitura atenta do texto, as ponderações apresentadas são muito oportunas e bem abrangentes, sendo necessário muita calma e bom senso na hora de avaliar o que se fará com o lucro de 2019, bem como a destinação dos recursos disponíveis. Nunca se fez tão necessária uma minuciosa análise dos indicadores dos ciclos operacionais aliado ao indicado de liquidez imediata e liquidez seca, e no fluxo de caixa.
RESUMO DO ARTIGO (disponível na versão PDF)
Considerando a situação atual de previsão de grandes perdas pelas empresas nos próximos meses, o presente texto aborda a possibilidade de constituição da Reserva para Contingências. A utilização desse instituto permite a retenção de lucros (e seus respectivos dividendos) do ano de 2019 para suporte financeiro do período em que se espera que tais perdas venham a ocorrer.
Proposta para constituição da Reserva para Contingências em virtude da Pandemia do Coronavírus
Autores: Prof. Natan Szuster & Prof. Eliseu Martins
Publicado em: Pensamento Contábil (aqui)
23/03/2020 – Versão em PDF
Introdução
A pandemia do Corona vírus trouxe sérias consequências não só na área da saúde, mas também na Economia com impactos no sistema jurídico e tributário de cada país. Todos estão sendo afetados e devem ser pesquisadas quais as melhores decisões para a sobrevivência.
A Contabilidade brasileira já vivenciou momentos de grande tensão, como por exemplo, os Planos de Estabilização para combater a inflação nas décadas de 1980 e 1990, principalmente o Plano Collor em 1990, e a crise no mercado financeiro de 2008. Cada um pareceu na época muito difícil de superar. Porém, em todos os esses momentos, quando se pensava como é difícil retornar ao funcionamento normal, podemos assinalar a grande importância dos profissionais de Contabilidade através do controle das operações e do fornecimento de informações contábeis relevantes. Os profissionais de contabilidade se encontram novamente em um momento complexo com grande demanda relacionada à incerteza gerada.
As Demonstrações Contábeis que devem ter uma relação direta com o futuro, no momento, anteveem à frente um horizonte de incerteza. Não se consegue visualizar, com segurança, a extensão da crise que está acontecendo, nem se os efeitos irão ocorrer a curto ou longo prazo, ou se muitas das previsões são pessimistas e transitórias.
Em termos do fornecimento de informação interna para os administradores, temos o fato de que o último Balanço Patrimonial levantado em dezembro de 2019, ou mesmo em fevereiro em 2020, devem ter todos os seus elementos esmiuçados para verificar o efeito que pode ocorrer. Todos os contratos da empresa devem ser ponderados. A grande maioria das estimativas contábeis têm que ser revisadas.
Em termos regulatórios no Brasil, a CVM e o CFC emitiram documentos esclarecedores sobre o tema. Um ponto abordado importante para as companhias abertas brasileiras é a necessidade de apresentar a Nota Explicativa de Eventos Subsequentes para as empresas que não tinham divulgado suas Demonstrações Contábeis até a data de emissão do Oficio-Circular e de provisões ou impairments que sejam necessários, mesmo que com tanta incerteza. Mas aqui vamos cuidar de outro assunto relacionado a essa situação.
Proposta
Neste texto estamos apresentando uma proposta, com efeito societário, que objetiva aumentar a segurança (ou reduzir a insegurança) para as empresas brasileiras neste momento. Muitas empresas brasileiras tiveram suas Demonstrações Contábeis aprovadas pelo Conselho de Administração com a destinação dos resultados antes que a crise do Coronavirus se agravasse. Outras empresas ainda não tiveram ainda suas Demonstrações Contábeis de 31.12.2019 aprovadas.
A proposta deste texto é analisar a possibilidade de as empresas brasileiras utilizarem a prerrogativa prevista no artigo 195 da Lei 6404, que é da constituição da Reserva para Contingências. Ressalta-se que, pelo que saibamos, a proposta original surgiu do contador do Rio de Janeiro, Roberto Pereira.
Legislação e Comentários
O texto da Lei no 6.404/76 afirma:
Art. 195 – A assembleia geral poderá, por proposta, dos órgãos da administração, destinar parte do lucro líquido à formação de reserva com a finalidade de compensar, em exercício futuro a diminuição do lucro decorrente de perda julgada provável cujo valor possa ser estimado.
A proposta dos órgãos da administração deverá indicar a causa da perda prevista e justificar, com as razões de prudência que a recomendam, a constituição da reserva.
A reserva será revertida no exercício em que deixarem de existir as razões que justificaram a sua constituição ou em que ocorrer a perda.
A utilização mais generalizada da Reserva para Contingências não ocorre no Brasil. O Manual de Contabilidade Societária – FIPECAFI, 3ª. Edição na página 387 aborda o ponto e afirma que o objetivo da constituição dessa reserva é segregar uma parcela de lucros, inclusive com a finalidade de não distribuí-la como dividendo, correspondendo a prováveis perdas extraordinárias futuras, que acarretarão a diminuição dos lucros (ou até o surgimento de prejuízos) em exercícios futuros. Dessa forma, com sua constituição, se está fortalecendo a posição da Sociedade para fazer frente à situação prevista.
No passado era muito confundida com a Provisão para a Contingências.
O texto do Manual de Contabilidade Societária , na página 388, analisa este ponto e afirma:
A Reserva para Contingências é, por outro lado, uma expectativa de perdas ou prejuízos ainda não incorridos; por ser possível antevê-los e por precaução e prudência empresariais, segrega-se uma parte dos lucros já existentes, não os distribuindo para suportar financeiramente o período em que tal prejuízo ocorrer efetivamente.
Em seguida é reproduzido o texto da Nota Explicativa CVM 59/86, que ao apresentar a diferenciação com a Provisão para Contingências, assim discorre:
A Reserva para Contingências visa dar cobertura a perdas ou prejuízos potenciais (extraordinários, não repetitivos) ainda não incorridos, mediante segregação de parcela de lucros que seria distribuída como dividendo.
Momento atual
A análise para o momento atual é que as empresas, na grande maioria, ainda não realizaram a sua Assembleia de Acionistas que aprova a destinação dos resultados, cuja data-base é 31.12.2019 e há efetivamente um grande risco de prejuízos potenciais decorrentes da pandemia. Julgamos que a retenção de lucros através deste recurso legal pode gerar um apoio importante para determinadas empresas e para aos seus acionistas, no sentido de fortalecer a situação neste momento.
Pontos para debate
Cada empresa deve ponderar pontos como:
- O mecanismo da Reserva para Contingências pode ser utilizado neste momento no Brasil de acordo com as normas contábeis?
- O fato de, pelo menos parte das perdas já terem ocorrido em 2020 inviabiliza a aplicação?
- Como pode ser considerada a questão, reconhecendo o fato de haver uma grande dificuldade de realizar uma estimativa confiável dos prejuízos futuros.
- Em termos legais, quais podem/devem ser os procedimentos a serem tomadas pelas empresas.
Em relação aos pontos para debate, entendemos que esta é uma opção, prevista na legislação, que poderá ser adotada. O ponto referencial são os dividendos sobre o Balanço Patrimonial de 31.12.2019; as assembleias ordinárias para a decisão final, na sua grande maioria, não foram ainda realizadas e a base para apuração de eventual Reserva para Contingências são os prejuízos potenciais de 2020, já que as perdas decorrentes da pandemia são posteriores a 2019. A dificuldade da estimativa do valor é uma restrição, mas os profissionais deverão realizar o maior esforço possível para efetuar a melhor estimativa possível na circunstância.
Os responsáveis pela Contabilidade devem submeter essas questões para os administradores e os consultores legais e, se aplicável a sugestão, devem submeter aos auditores independentes e por prudência ao órgão regulador.
Mas é importante salientar que, mesmo que as demonstrações já tenham sido divulgadas, e a assembleia ainda não tenha sido realizada, a assembleia é soberana e tem todos os poderes para revisar essas demonstrações. Afinal, é a assembleia ordinária que aprova, ou não as demonstrações contábeis (art. 122, III e 132, I). Inclusive o artigo 134, § 40 , determina a republicação das demonstrações quando de alterações do passivo ou do lucro pela assembleia.
Finalmente, lembrar que o art. 202, I, b, permite que a reserva para contingências seja redutora do valor do lucro passível de distribuição (a não ser que o estatuto disponha em contrário); e, além disso, o § 40 admite que o dividendo obrigatório “não será obrigatório no exercício social em que os órgãos da administração informarem à assembleia-geral ordinária ser ele incompatível com a situação financeira da companhia….”
Resta então ao profissional de contabilidade se aliar com o direito para tentar reduzir da melhor forma possível eventuais acréscimos de problemas das empresas.