Grandes empresas de capital fechado começam a contratar auditoria independente
A Ernst & Young venceu um dos contratos mais cobiçados pelas firmas de auditoria neste ano no mercado brasileiro. A Casas Bahia, a maior rede de eletroeletrônicos e móveis do país, com vendas estimadas em R$ 13 bilhões neste ano, confirmou a contratação da equipe da E&Y, que começará em outubro a auditar as contas da varejista.
A averiguação dos livros da Casas Bahia é considerada um marco na gestão da empresa, que atualmente está sob o comando dos dois filhos de Samuel Klein, um imigrante polonês que veio ao Brasil para fugir dos nazistas e começou a vida vendendo artigos de porta em porta, numa charrete, no ABC.
A família Klein sempre foi avessa à publicação dos números, o que costuma ser criticado pelos concorrentes da varejista. Em entrevista concedida há algumas semanas ao Valor, Michael Klein, diretor financeiro da Casas Bahia, afirmou que não tem a intenção de divulgar os balanços. Como a lei não obriga a publicação, os concorrentes continuarão sem saber sobre as finanças da empresa.
O processo para a contratação de uma firma de auditoria demorou alguns meses. Segundo fontes do setor, a Casas Bahia “apertou” o quanto pôde para baixar os preços, assim como faz com qualquer outro fornecedor. A empresa também não queria que seus balanços fossem auditados por firmas que trabalhassem para os concorrentes. Neste caso, a Deloitte ficou em desvantagem por assinar os balanços do Ponto Frio, a sua maior rival, e do Magazine Luiza.
A iniciativa da Casas Bahia de contratar uma firma de auditoria deverá ser seguida pelas demais grandes empresas que atuam no país. A exigência é resultado da nova lei contábil, aprovada no fim de 2007, que reforma a Lei das Sociedades por Ações com o objetivo de levar o Brasil ao grupo de países que adotam as normas internacionais para demonstrações financeiras, conhecidas pela sigla em inglês IFRS.
Um artigo da Lei 11.638, que não está relacionado à convergência às normas internacionais, obriga as sociedades de grande porte limitadas – nacionais e estrangeiras – a elaborar demonstrações financeiras anuais segundo a lei brasileira. Atualmente, só as companhias de capital aberto e as sociedades anônimas de capital fechado têm que seguir a Lei das S.A.
Apesar da necessidade de contratação de uma auditoria, que já vale para o balanço de 2008, as empresas limitadas ainda estão se movimentando pouco para cumprir a regra. Até agora não está claro quem fiscalizará o tema.
O sócio da Ernst & Young Sergio Romani disse que apenas no segundo semestre as empresas fechadas começaram a procurar as auditoria para negociar contratos. Mesmo assim, a iniciativa tem partido somente das companhias de maior porte, com faturamento acima de R$ 500 milhões, segundo ele. As menores estão pouco ativas no processo.
Do grupo de empresas limitadas, as que primeiro partiram para a contratação de auditoria foram as filiais de multinacionais. São empresas que fazem parte de grupos já acostumados culturalmente à prática. Além disso, algumas dessas filiais já passavam por algum crivo das auditorias, por contribuírem com resultados significativos para as matrizes e terem de submeter parte dos números à aprovação externa. Essas análises, porém, não eram completas, sendo que passarão a ser agora.
Entre as limitadas de capital nacional, a contratação da auditoria é mais complicada. As empresas negociam em uma velocidade bem inferior à das companhias abertas, acostumadas à necessidade de aprovação dos números.
Eduardo Pocetti, sócio da BDO Trevisan, admite que as empresas têm sido um pouco lentas na adoção da nova regra. Muitas ainda estão na fase de saber o que está acontecendo, quando já deveriam estar pensando na escolha do auditor. Das 84 propostas colocadas, a BDO Trevisan fechou 14 contratos e perdeu 12. Segundo Pocetti, há ainda 60 contatos em andamento.
Se por um lado as empresas demonstram pouca pressa no cumprimento da norma, por outro os auditores dizem estar seletivos na escolha dos clientes, pois não têm condições de atender a todos. Falta de mão-de-obra especializada é um problema para as auditorias, que estão com planos de contratação ambiciosos para fazer frente à nova realidade de mercado.
As auditorias também querem evitar associar o nome a empresas que possam dar problemas mais tarde. Escândalos contábeis são sempre mal vistos no mercado e, inclusive, já foram responsáveis pela quebra de uma das maiores empresas mundiais de auditoria – a Arthur Andersen -, que assinava os balanços da americana Enron.
Por Claudia Facchini, Silvia Fregoni e Nelson Niero, de São Paulo (via CFC)