Abstrato

Já passava da meia-noite e nenhuma estrela no céu. Parecia que elas não se deixavam ver. Ou talvez seus olhos não conseguissem vê-las. Céu sem estrelas. Havia só uma pequena luz de uma lanterna, uma caneta com pouca tinta, um papel em branco no qual disputavam espaço um desenho louco e uns rabiscos. Mas havia espaço para escrever. Só não havia ideia. Ou coragem. Nem estrelas.

E havia lembranças. Estas sempre existem. Dava para sentir o cheiro de poeira vindo do sótão dos pensamentos… Poderia até ser de um porão, mas estas lembranças estavam no sótão. Era possível escutar cada uma delas contando uma história…Algumas tristes, outras alegres, outras indecisas. Mas todas lembranças. Haveria algum dispositivo para deletá-las?
Ela achava que não. Mas também não fazia questão de colocá-las no papel. Por isso, desenhava pensamentos soltos como uma pintura surreal. Não sabia que mesmo as pinturas mais loucas têm os sentidos mais concretos. E o abstrato é tão concreto…Pintava os próprios sentimentos e as cores eram tão claras…Queria mesmo era desenhar estrelas no céu. Mas já amanhecia. O papel, com algumas cores claras, ainda estava escuro. Havia um pouco de poeira também. E pouca tinta. Continuava sem ideia. Sem estrelas. E ainda havia espaço para escrever.

Daniela Duarte, in http://diversosinversos.blogspot.com/

Imagem: “A desintegração da persistência da memória”, Salvador Dalí

Editoria: Prof. Alexandre Alcantara