Os BRIC e a nova agenda da contabilidade
Em um passado recente, vemos tanto Rússia como China na seguinte situação: pouco tempo depois da Revolução Comunista de 1917, muitos contadores russos foram “purificados” sob a alegação de que eram ferramentas para o capitalismo. Na China, no período de 1949 a 1978, a profissão contábil chegou a ser suspensa. As empresas especializadas gradualmente desapareceram, perdendo o contexto social da economia socialista.
Hoje, o panorama é totalmente diferente. A profissão contábil em ambos os países se encontra em um novo patamar social. Ademais, o nível de ofertas de trabalho é promissor. Na Rússia, o programa de mudanças na contabilidade teve início em 1998, sete anos após o começo do processo de privatização, que teve várias etapas. Em 1991 e 1992 foi elaborada a moldura jurídica institucional. Entre 1993 e 1995, foram emitidos os certificados de privatização ao portador. Nos anos de 1995 e 1996, leilões promoveram a privatização de grandes e promissoras empresas. A partir de 1997, começaram a ser feitas as privatizações, com vistas à arrecadação de recursos para novos investimentos.
Com as reformas do antigo sistema econômico soviético a partir de 1985, associadas a Mikhail Gorbachev e à sua política da Perestroika, o Estado buscou a ampliação da autonomia econômica das empresas e a implantação, da iniciativa privada em forma de cooperativas e do trabalho por conta própria – embora em doses muito limitadas. A reforma contábil de 1998 denominou-se Programa de Reformas Contábeis e foi criada em consonância com as Normas Internacionais de Contabilidade. Este novo padrão de contabilidade é conhecido como Russian Accounting Standards (RAS).
Na China, o programa de mudanças sucedeu, em 1978, a Revolução Cultural. No 14º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, começou a ser construído o “Grande Compromisso” idealizado por Deng Xiaoping, caracterizado pela aceleração da reforma e abertura da modernidade do país. Entre 1992 e 2007, ocorreram várias modificações na contabilidade para atender à abertura de mercados. Nascia assim o Chinese Accounting Standards (CAS).
As modificações na contabilidade e a transformação da legislação contábil apontam para o desenvolvimento de padrões contábeis, para empresas listadas em Bolsa de Valores, em convergência com as IFRS – padrão recentemente adotado pelo Brasil e já em vigor em quase toda a Europa.
Em 2007, o Ministério das Finanças da China requereu que mais de 1,4 mil companhias listadas na Bolsa de Valores de Shanghai e Shenzhem, incluindo bancos, adotassem as normas internacionais. Em dezembro de 2008, o número de empresas listadas se elevou para 1.614.
A adoção das IFRS no sistema financeiro chinês, especificamente nos bancos, suscitou consideráveis impasses contábeis. Entre eles o valor dos créditos de liquidação duvidosa sem reconhecimento contábil, que sem dúvida representa um percentual considerável no PIB local. Estima-se que as cifras envolvidas superem os US$ 500 bilhões. Outro impasse é a participação do governo societariamente em todas as empresas estatais. As informações sobre partes relacionadas acabam gerando mais dúvidas do que esclarecimentos.
Na Rússia, o primeiro ministro das Finanças anunciou, em 2002, que os bancos deveriam adotar as IFRS a partir de 2004. Já para as empresas listadas em Bolsa, os prazos se estenderiam até 2006 e 2007. Esta foi a segunda grande fase da contabilidade russa. O sistema financeiro do país é composto por mais de 1.200 instituições de crédito, das quais as 20 maiores participam em 62% dos ativos. Em comparação ao Brasil e à China, em que os cinco maiores bancos reúnem mais de 65% dos ativos, a Rússia tem uma distribuição menos desigual. A Bolsa de Valores da Rússia, a MICEX Stock Exchange, tem aproximadamente 1.700 participantes.
As empresas russas são muito criticadas pela falta de transparência em suas informações financeiras, algo totalmente inexistente pela adoção plena das IFRS. Há outras questões relacionadas ao sistema bancário, pois há grandes investidores conhecidos por “oligarcas” que tomam os depósitos feitos nos bancos e os direcionam às suas empresas.
Além do domínio de gigantes do setor estatal na área de energia, o governo Putin reincorporou ativos para o Estado, como dos grupos NTV (empresa de comunicação) e YUKOS (empresa petrolífera). Para muitos analistas, a decisão foi meramente voltar à participação do Estado em atividades importantes como a mídia e o petróleo.
Assim, as novas agendas contábeis da Rússia e da China são elementos novos e desafiadores para os próximos anos. Estima-se que tal processo se estenda por aproximadamente cinco anos, a partir da adoção plena das IFRS. Nesta nova pauta, a educação contábil terá um papel muito importante. Lembramos que as reformas são recentes se comparadas às dos países Ocidentais.
Se considerarmos sob a perspectiva da contabilidade, podemos afirmar que Rússia e China não entraram em um sistema desconhecido, principalmente no que se refere às práticas contábeis. Todavia, alinhou-se ao caminho de muitos países, um caminho já bastante conhecido e trilhado em nível mundial, iniciado em 1973, quando foi criado o IASC (hoje o IASB).
* Jairo da Rocha Soares é doutor em Relações Internacionais, mestre em Ciências Contábeis e Atuariais e sócio diretor da Crowe Horwath RCS.