Puxão de Orelha
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tornou público hoje [04.09.2009] um ofício circular enviado no dia 2 de setembro aos auditores independentes, em que ela chama a atenção desses profissionais sobre cuidados que eles devem ter na elaboração dos seus pareceres sobre os balanços das companhias abertas.
O documento, assinado pelo superintendente de normas contábeis e auditoria da CVM, Antonio Carlos de Santana, lista uma série de falhas detectadas nos pareceres relativos aos balanços do ano passado e alerta os auditores para que os problemas não se repitam nos balanços referentes ao exercício de 2009.
“Foram identificados casos em que houve emissão inadequada do tipo de parecer e omissões nos comentários nos parágrafos adicionais, em face das circunstâncias apresentadas nas demonstrações contábeis das companhias abertas auditadas”, diz o texto da CVM.
E o xerife do mercado lembra que o eventual descumprimento de suas funções por parte dos auditores é passível de abertura de Processo Administrativo Sancionador (PAS), que pode gerar penalidades.
Em linhas gerais, os pontos destacados pela CVM indicam que os auditores não têm sido tão rigorosos com as empresas como o órgão regulador acha que eles deveriam ser.
Uma das falhas, sendo a CVM, são parágrafos de ressalva sem que o auditor quantifique os efeitos da diferença no resultado da empresa e na conta patrimonial. A autarquia entende que, em alguns casos, essa quantificação não é possível. Neste caso, no entanto, ela pede que a ausência do cálculo seja devidamente justificada.
Outro problema tem relação com a ausência de informações relevantes, na avaliação da CVM, das notas explicativas das demonstrações financeiras. Conforma a autarquia, essa omissão de informações deve gerar um parágrafo de ressalva no parecer.
Em casos mais graves, o órgão regulador diz que as ressalvas eram tantas que o auditor deveria ter apresentado parecer adverso sobre o balanço, e não apenas listado as divergências. “Foram identificados casos em que os auditores independentes incluíram várias ressalvas no parecer sobre determinadas demonstrações contábeis que, em seu conjunto, dada a relevância dos desvios apontados, poder-se-ia dizer que as demonstrações contábeis auditadas não representavam a posição patrimonial e financeira daquela companhia para 31/12/2008”, diz o texto da CVM.
Ainda nesta linha, outro problema identificado foi o de limitação ao trabalho de auditoria. Segundo a CVM, nos casos em que esta limitação for relevante, o auditor deve se abster de dar opinião sobre o balanço, e não apenas apontar a dificuldade em um parágrafo de ressalva.
(Fernando Torres Valor Online, 04.09.2009) grifos nossos
COMENTÁRIOS
Além dos aspectos destacados na matéria do Valor Econômico, o OFÍCIO-CIRCULAR/CVM/SNC/N° 12/2009. (4.09.2009) da CVM também faz um alerta quanto aos efeitos da convergência à normas internacionais de contabilidade (IFRS) em seus parágrafos 3 e 4.
Da leitura destes parágrafos percebemos que a forma tem prevalecido sobre a essência, o que poderia transparecer uma falta de preparo das empresas em seguirem o princípio da “essência sobre a forma” e das auditorias em mensurar o efeito da não aplicação deste princípio. Ou ainda, um outra hipótese, qual seja, a essência por não proporcionar “bons resultados” foi deixada de lado, prevalecendo a forma.
De acordo com o Ofício as “normas internacionais, nas quais estão fundamentados os pronunciamentos do CPC, estão baseadas em princípios e não esgotam todas as possibilidades de tratamento contábil dos itens elas contemplados“. Não creio que as companhias de auditoria, que participaram ativamente da elaboração dos pronunciamentos do CPC desconhecessem o “espírito” das mesmas.
Acertou a CVM em alertar não somente aos auditores, mas sobretudo ao mercado, que fica sabendo que as demonstrações contábeis não estão tão confiáveis nestes tempos de conversão. O mercado e demais profissionais torcem para que o subjetivismo responsável ofereçam demonstrações que espelhem a real posição das companhias, e que os respectivos pareceres de auditorias possam ser confiáveis.
Quando li o Ofício tinha a doce e ingênua expectativa de saber que emitiu tais pareceres e sobre quais demonstrativos. Infelizmente o mercado não sabe quem falhou. Todas as empresas de auditoria cometeram os erros apontados? Algumas delas? Optou-se por uma censura geral para evitar a exposição de uma ou algumas companhias específicas? Esperava mais deste Ofício da CVM!
Seguindo os exemplos de falhas citados no Ofício talvez alguém se aventure a rastrear o teor dos pareceres emitidos sobre as demonstrações de 2008 buscando a identificação das
companhias e respectivos auditores. Tarefa nada fácil para a grande maioria dos investidores. Um bom tema para trabalho de conclusão de pós-graduação!
Veja a parte do Ofício não citada pelo Valor Econômico:
[…]
3. Adicionalmente, além das situações explicitadas acima, os auditores independentes devem observar se as companhias auditadas, no processo de elaboração das demonstrações contábeis, cumpriram as determinações das normas contábeis vigentes para esse exercício social de 2009, emanadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC e ratificadas por esta Comissão de Valores Mobiliários, em face do novo ambiente normativo contábil que visa à convergência com as normas internacionais de contabilidade emitidas pelo international Accounting Standards Board – IASB. Convém ressaltar que essas normas internacionais, nas quais estão fundamentados os pronunciamentos do CPC, estão baseadas em princípios e não esgotam todas as possibilidades de tratamento contábil dos itens elas contemplados. Torna-se essencial, portanto, o conhecimento e a compreensão da estrutura conceitual contábil para a adequada interpretação e aplicação desses pronunciamentos, não devendo o auditor independente se cingir à literalidade do texto. OFÍCIO-CIRCULAR/CVM/SNC/N° 12/2009, de 02/09/2009 – fls. 5/5.
4. Neste aspecto, no exame das situações fáticas no curso dos trabalhos de auditoria, à luz do Pronunciamento Conceitual Básico do CPC – Estrutura Conceitual para Elaboração e apresentação das Demonstrações Contábeis, referendado pela Deliberação CVM Nº 539/08, cabe ressaltar, ainda, que os auditores independentes devem avaliar as transações e eventos das companhias auditadas em função da sua substância econômica e não se restrinja aos aspectos meramente formais.
(AAS)