Mudanças terão impacto no Brasil

O processo de edição de normas para convergência do padrão contábil brasileiro para o internacional terminou no ano passado. Mas não significa que as novidades acabaram. Isso porque o Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês) continua revendo suas próprias regras, com destaque para o tratamento contábil dos instrumentos financeiros. Quando a regra mudar no exterior, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) terão que fazer as adaptações também aqui no Brasil.

Ainda no fim de 2009, o Iasb iniciou o processo que prevê a substituição das três complexas normas que tratam de instrumentos financeiros por um único normativo mais simples: o IFRS 9. Esse novo pronunciamento será editado em três etapas no exterior, sendo que a primeira foi publicada em novembro do ano passado.

A obrigação de se seguir a nova norma começa em 2013, mas existe a possibilidade de adoção antecipada nos países que adotam o padrão IFRS, o que inclui o Brasil. Segundo o superintendente de normas contábeis da CVM, Antonio Carlos de Santana, a possibilidade de adoção antecipada dessa nova norma no Brasil, ou mesmo uma eventual obrigatoriedade já para 2010, ainda será debatida. O Banco Central também ainda não se definiu sobre isso. Pesando contra a adoção do novo normativo neste ano está o fato de apenas uma parte da norma ter sido divulgada até agora.

Este mesmo argumento, assim como a preocupação com o peso maior do valor justo, levou a Comissão Europeia a não permitir a adoção antecipada do IFRS 9 na União Europeia em 2009.

Voltando à análise da nova norma, para aqueles que ficaram animados com o anúncio de uma simplificação das regras sobre instrumentos financeiros, fica o alerta de que, mesmo menos complexo, o IFRS 9 também não é tão simples.

A parte já editada do pronunciamento trata da classificação dos instrumentos financeiros. Atualmente eles devem ser separados em quatro categorias: ativos e passivos mensurados a valor justo, cujas variações de preço são registradas no resultado; investimentos mantidos até o vencimento, marcados pela curva e com impacto no resultado; empréstimos e recebíveis, marcados pela curva e com impacto no resultado; e ativos financeiros disponíveis para venda, que são marcados a valor de mercado e cujas variações de preços são registradas no patrimônio líquido.

Essa divisão, bem como a dificuldade de se mudar os instrumentos de uma categoria para a outra na regra atual, levou os bancos a pressionar os órgãos reguladores e os comitês responsáveis pelas regras de contabilidade para que esses dispositivos fossem alterados. As instituições queriam ter mais liberdade, por exemplo, para não ter que marcar a mercado um ativo que elas não pretendem vender no curto prazo, mas que também não têm certeza de que carregarão até o vencimento.

Alguns críticos dizem que essa regra atual de marcação a mercado teria exacerbado as perdas dos bancos e contribuído para que a crise internacional fosse mais grave do que deveria.

Pelo novo sistema, haverá duas categorias de instrumentos financeiros. Os ativos financeiros registrados pelo custo amortizado (pela curva do papel) e os ativos contabilizados pelo valor justo. As variações de preços das duas categorias terão como contrapartida o resultado do exercício. Deixa de existir, portanto, o impacto no patrimônio líquido. O que determina a classificação do ativo em um grupo ou no outro é o modelo de gerenciamento do negócio. Se o banco ou a empresa possui aquele ativo com o objetivo de receber os juros e o principal, o registro é pela curva, mesmo que a entidade não planeje necessariamente carregá-lo até o vencimento. Caso o objetivo seja negociar esse ativo no mercado, a contabilização será feita pelo valor justo.

A única exceção que ainda terá impacto no patrimônio líquido será o investimento feito em ações, que eventualmente uma entidade possua como estratégia de investimento de longo prazo. Na primeira adoção do IFRS 9, os bancos e empresas terão a opção de definir se seus investimentos nessas ações serão registrados contra o resultado ou no patrimônio. Não é possível mudar a classificação depois disso.

Uma das dúvidas que surgem com esse novo modelo, no entanto, é se os bancos podem alegar mudança de modelo de negócios conforme sua conveniência, para tentar esconder as perdas dos investidores. Segundo César Ramos, diretor executivo de auditoria da Ernst & Young, a resposta é não. “Não acho que vai acontecer isso. Os auditores e a administração dos bancos vão ter que justificar a mudança do modelo de negócio. E essas coisas são feitas pelos bancos de forma séria”, diz Ramos.

Na visão dele, não dá para dizer que a norma facilita a mudança de classificação do ativo. “O resultado tem que ser afetado quando é justo que isso aconteça. Quando um banco mantém o papel para receber juros e principal, não faz sentido marcar a mercado.”


Fonte: Valor Econômico (Fernando Torres) via site CFC

Editoria: Prof. Alexandre Alcantara