Contabilidade & Política 2

Mais um exemplo demonstra que a pesquisa e o rigor científico não tem sido o forte na hora de estabelecer as “normas” contábeis nos EUA, prevale o jogo de interesses.

As ciências contábeis há muito vem cedendo às normas “políticas” contábeis. Veja post que fizemos em novembro do ano passado sobre este assunto: Contabilidade & Política


Maus lençóis e tapetes sujos

Parte dos bancos americanos usa legislação favorável para esconder problemas e apresentar bons lucros. Outra parcela mostra prejuízo com o objetivo de manter a salvadora verba pública. Todos ainda têm medo de emprestar dinheiro

por RICARDO ALLAN

A interrupção na concessão de crédito é o principal obstáculo para que a economia dos Estados Unidos volte a andar com as próprias pernas, dispensando o socorro do governo. Apesar de o Tesouro ter injetado quase US$ 205 bilhões nos bancos, os empréstimos não avançam. Tanto a oferta como a procura pelo dinheiro caíram. As instituições financeiras não liberam os recursos porque ainda estão em maus lençóis e temem a alta inadimplência. Os trabalhadores preferem pagar o que já devem. Com isso, o volume de financiamentos encolheu R$ 505 bilhões durante a crise.

O estoque de crédito caiu (veja quadro) e os bancos ainda enfrentam problemas. Os lucros anunciados recentemente resultam de artifício contábil. No meio de 2009, o Tesouro e o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) permitiram aos bancos atribuir valor a papéis que haviam virado pó. Isso inflou os balanços. A situação real é bem diferente. “Boa parte desses lucros não deixa de ser uma maquiagem pelo afrouxamento generalizado das regras contábeis. Ninguém sabe ao certo o que está acontecendo de fato nos bancos”, afirma a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria.

Na semana passada, três gigantes financeiros publicaram balanços. O Bank of America, maior do país, anunciou lucro de US$ 6,28 bilhões em 2009, volume 56,5% maior que o de 2008. O Citigroup, que tomou US$ 49 bilhões em dinheiro público concedendo, em troca, 36% do seu capital ao Tesouro, anunciou prejuízo de US$ 7,6 bilhões no último trimestre. “As manobras contábeis continuam, mas o Citi pode se dar ao luxo de fazer um balanço um pouco real porque o Tesouro está lá dentro. Ninguém tem medo de que ele quebre, pois o governo banca as operações”, observa o chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes.

O JP Morgan Chase teve lucro de US$ 3,3 bilhões no trimestre, mas com profundo prejuízo nas áreas de hipotecas e cartão de crédito. “Não estou dizendo que o Bank of America ou o JP tenham feito isso, mas os bancos poderão esconder por mais tempo os balanços ruins. O dinheiro do Fed deu uma sobrevida a eles”, diz Gomes, ex-diretor do Banco Central. Alguns estão ganhando dinheiro com aplicação de recursos em locais com juros mais altos.

Segundo Gomes, o Fed comprou tantos títulos hipotecários para limpar os balanços dos bancos que os próprios ativos subiram de US$ 700 milhões para US$ 2,4 trilhões. Essa injeção de recursos no mercado serviu para dar mais tranquilidade aos investidores, evitando o risco de uma quebra em série. Mas não resolveu o enxugamento do crédito. O volume emprestado na farra que resultou na crise ainda extrapola em muito o capital exigido pelas normas de prudência aceitas internacionalmente e há uma parcela considerável de papéis podres sem solução. “Eles não vão voltar a emprestar até se livrarem dos créditos ruins. Ainda por cima, temem ficar sem fundos quando o Fed exigir seu dinheiro de volta”, diz.

O Tesouro emprestou

US$ 204,9 bilhões aos bancos em 732 operações do Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (Tarp, na sigla em inglês). Quem utilizou essa linha ficou sujeito a regras mais rígidas para a administração dos ativos e a limitações nos pagamentos dos bônus de desempenho aos executivos. As grandes instituições, como Bank of America, JP Morgan Chase, Wells Fargo, Goldman Sachs e Morgan Stanley, resolveram problemas circunstanciais e trataram de devolver logo os recursos (veja quadro). Não queriam se submeter ao aperto do Fed, principalmente no que diz respeito à distribuição de prêmios a seus figurões.

Pendências

No último balanço do Tesouro, na semana passada, as instituições já haviam devolvido

US$ 121,9 bilhões, restando uma conta de US$ 83 bilhões pendente. Na avaliação de Alessandra Ribeiro, os bancos começaram a lucrar com as próprias operações nos últimos meses, mas ainda estão reconstituindo as bases de capital após os estragos da crise. Num momento de desemprego em 10% e grande incerteza quanto ao nível de renda do trabalhador, os administradores se preocupam com a inadimplência, que cresceu em todos os segmentos. Nos contratos subprime (sem garantias seguras), que detonaram toda a crise, o calote subiu 146,7%. No crédito ao consumo de forma geral, a alta foi de 27,6%.

Os analistas concordam que a recuperação do crédito será um processo longo, em meio ao qual a economia norte-americana começará a andar de forma autônoma, sem o socorro governamental. Por enquanto, os financiamentos ao consumidor caíram pelo 10° mês consecutivo, diminuindo US$ 17,5 bilhões em novembro, o maior tombo desde o início dos registros, em 1943. O recuo foi de 8,5%. O movimento do cartão de crédito encolheu 18,5%, o maior enxugamento desde 1974. Foi o 14° mês seguido de retração. “Não há sinal de reversão dessa tendência no médio prazo”, diz Alessandra Ribeiro.

E EU COM ISSO

Sozinho, o consumo dos trabalhadores norte-americanos é responsável por 17,7% da economia global. Para que o planeta saia de vez da crise, é fundamental que eles voltem a ter crédito para comprar. Assim, as exportações dos emergentes para os EUA podem voltar a crescer, o que vai impulsionar a indústria, o agronegócio, o emprego e a renda em países como o Brasil. (RA)


Fonte: Correio Brasiliense, via FENACON (24.01.2010) – grifos nossos

Editoria: Prof. Alexandre Alcantara