A imunidade/impunidade dos banqueiros

Krugman: reforma de Obama deveria prejudicar os banqueiros
por Paul Krugman

Na quinta-feira, o presidente Barack Obama foi a Manhattan, onde pediu a uma audiência composta basicamente por executivos de Wall Street que apoiasse a reforma financeira. “Acredito”, declarou, “que essas reformas em última análise servem não só aos melhores interesses de nossos país como aos do setor financeiro”.

Bem, eu preferiria que ele não tivesse feito essa declaração – e não apenas porque ele realmente precisa, por motivos políticos, adotar uma postura populista e se distanciar dos banqueiros. O fato é que Obama deveria estar tentando fazer o que é certo para o país – ponto final. Se para isso for preciso prejudicar os banqueiros, não é problema.

Mais que isso, a reforma na verdade deveria mesmo prejudicar os banqueiros. Volume cada vez maior de análises sugere que o setor financeiro superdimensionado está prejudicando o restante da economia. Reduzir as dimensões desse setor inchado não contentará Wall Street, mas aquilo que é ruim para a Wall Street seria bom para o país.

As reformas que estão em debate – e que eu apoio – na verdade poderiam fazer tanto bem ao sistema financeiro quanto a todos nós. Mas isso acontece porque elas enfrentam apenas uma parte do problema: tornariam as finanças mais seguras, mas não as tornariam menores.

Qual é o problema do mundo financeiro? Comecemos pelo fato de que o setor financeiro moderno gera imensos lucros e remunerações ao seu pessoal, mas propicia poucos benefícios tangíveis.

Vocês se lembram de Wall Street, o filme de 1987, no qual o personagem Gordon Gekko proclama que “cobiça é bom”? Pelos padrões atuais, Gekko é amador. Nos anos que conduziram à crise de 2008, o setor financeiro respondeu por um terço dos lucros totais das empresas americanas – fatia duas vezes maior que a registrada pelo setor duas décadas mais cedo.

Os lucros eram justificados, costumávamos ouvir, porque o setor estava fazendo ótimas coisas pela economia. Estava canalizando capital para usos produtivos; distribuindo os riscos de maneira mais ampla; reforçando a estabilidade financeira. Nada disso era verdade. O capital foi canalizado não para empresas inovadoras e criadoras de empregos, e sim para uma bolha de habitação insustentável; o risco foi concentrado, e não distribuído; e, quando a bolha da habitação estourou, o sistema financeiro supostamente estável implodiu, gerando a pior crise mundial desde a Grande Depressão como efeito colateral.

Por que, então, os banqueiros estavam faturando tanto? Minha interpretação, um reflexo dos esforços de economistas financeiros para compreender a catástrofe, é que tudo girava basicamente em torno de apostar com o dinheiro alheio. O setor financeiro realizava apostas pesadas, de risco, usando dinheiro emprestado – apostas que propiciavam altos retornos até que começaram a fracassar -, e era capaz de realizar captação a baixo custo porque os investidores não compreendiam realmente a fragilidade do setor.

E quanto aos tão alardeados benefícios das inovações financeiras? Sigo a opinião dos economistas Andrei Shleifer e Robert Vishny, que argumentam em estudo recente que boa parte da inovação envolvia criar uma ilusão de segurança, oferecendo aos investidores “falsos substitutos” para ativos antiquados como depósitos bancários. Por fim, essa ilusão desabou, e o resultado foi uma crise financeira desastrosa.

Em seu discurso da quinta-feira, Obama insistiu – por duas vezes – em que a reforma financeira não sufocará a inovação. Pena.

A questão é a seguinte: depois de sofrerem abalo logo depois da crise, os lucros do setor financeiro estão em disparada uma vez mais. Parece altamente provável que o setor em breve volte a jogar os mesmos jogos que causaram toda essa confusão.

O que deveria ser feito, portanto? Como eu disse, apoio a proposta de reforma do governo Obama e de seus aliados no Congresso. Entre outras coisas, seria uma vergonha ver o triunfo da campanha de oposição à reforma conduzida pelos republicanos – caracterizada por assombrosa desonestidade e hipocrisia.

Mas essas reformas deveriam ser apenas o primeiro passo. Também precisamos reduzir as dimensões do setor financeiro.

E não são apenas os críticos externos que o dizem (não que haja algo de errado com críticos externos, que em geral se provaram muito mais corretos em suas interpretações do que os observadores internos supostamente bem informados – vide Greenspan, Alan). Uma proposta intrigante está para ser revelada, surpreendentemente, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Em um documento preparado para a reunião deste final de semana e que chegou mais cedo às mãos da imprensa, o fundo pede por um imposto sobre a atividade financeira, a incidir sobre os lucros e remunerações do setor financeiro.

O fundo argumenta que essa imposto “mitigaria a aceitação de riscos excessivos”. Poderia também “reduzir as dimensões do setor financeiro”, algo que o FMI considera bom.

Na verdade, a proposta do FMI é bastante amena. Mas, se avançar para a concretização, ouviremos urros vindos de Wall Street.

O fato é que temos dedicado proporção demasiada de nossa riqueza e dos talentos do nosso país ao desenvolvimento e realização de esquemas financeiros complexos – esquemas que tendem a torpedear a economia. Pôr fim a esse estado de coisas prejudicará o setor financeiro. E daí?

Tradução: Paulo Migliacci ME


Fonte: The New York Times, via Portal Terra (grifos nossos)

Editoria: Prof. Alexandre Alcantara