IFRS com prazo de validade

IFRS com prazo de validade

Normas obrigatórias a partir de 2010 estão em revisão e podem mudar mais se houver convergência com os EUA.

Por Fernando Torres, de São Paulo
09/06/2010

As normas internacionais de contabilidade que serão adotadas obrigatoriamente pelas companhias abertas brasileiras nos balanços de 2010, conhecidas como IFRS, estão com o prazo de validade perto de vencer.

Enquanto contadores e auditores locais correm contra o tempo para deixar tudo pronto no prazo, os principais órgãos internacionais responsáveis pela emissão de normas contábeis tentam costurar um entendimento que pode resultar em mudanças significativas nas regras atuais.

Na prática, isso quer dizer que o modelo novo adotado pelas companhias aqui no Brasil pode se tornar velho em poucos anos.

Um exemplo é o caso das provisões para inadimplência dos empréstimos. Até o ano passado, os bancos brasileiros usavam o critério da perda esperada para calcular a provisão de devedores duvidosos. No balanço em IFRS referente a 2010, terão que usar o sistema de perda incorrida. Daqui a poucos anos, com a revisão da norma internacional, o mais provável é que voltem para o sistema antigo, embora com algumas diferenças no método de avaliação.

Além desse processo contínuo de aperfeiçoamento das normas IFRS, que já ocorre normalmente, isso deve se intensificar tendo em conta a busca por um padrão global de contabilidade que envolva também os Estados Unidos.

O Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb), que emite as IFRS, e o seu similar americano Fasb, responsável pelo padrão chamado de US Gaap, têm dito repetidamente que buscam uma convergência entre os dois sistemas de contabilidade.

De fato houve acordo entre os dois órgãos em diversos aspectos tratados até agora, mas numa das áreas mais importantes e polêmicas, relativa à classificação e mensuração de instrumentos financeiros, o que se viu foi um distanciamento de opiniões.

Seguindo o histórico de sua escola, o Fasb deixou claro há duas semanas, com a divulgação de uma minuta que entrou em audiência pública, que defende uma abordagem que aumenta a abrangência do registro dos instrumentos financeiros pelo valor de mercado (valor justo), enquanto o Iasb já emitiu uma nova norma, o IFRS 9, que admite com maior flexibilidade o uso do método do custo amortizado (marcação do papel pela curva), o que deve reduzir a volatilidade dos balanços em momentos de crise.

Os especialistas não consideram que essa divergência seja insolúvel, mas entendem que, se o objetivo for alcançar um único padrão contábil internacional de alta qualidade, algum dos lados terá que ceder, ou os dois.

Eventuais mudanças que o Fasb possa fazer no US Gaap não interferem no novo padrão de contabilidade brasileiro, que tem como base as IFRS, ressalta a presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Ana María Elorrieta.

No entanto, ela admite que tanto a minuta proposta pelo órgão americano, como os comentários recebidos durante a audiência pública, podem influenciar a regulamentação do Iasb.

O IFRS 9 foi emitido em agosto, com permissão para adoção antecipada, mas com o uso obrigatório previsto apenas para o exercício de 2013. Diante disso, uma mudança na regra até poderia ser feita, mas não seria algo trivial, uma vez que África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e algumas empresas japonesas já estão usando o novo sistema.

Também não seria fácil para o Iasb simplesmente ignorar todo o processo de audiência pública conduzido para elaborar o IFRS 9 e dizer que mudou de ideia após ouvir a opinião do Fasb.

Nesse sentido, o Iasb pediu que todos os agentes envolvidos com o IFRS nos mais de 120 países que adotam mo modelo se manifestem na consulta feita pelo órgão americano. A esperança é que, ao perceber a reação do mercado à sua proposta, o Fasb possa rever o texto sugerido.

Segundo o professor Eliseu Martins, representante da Fipecafi no Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), a minuta apresentada pelo Fasb expande o uso do valor justo para quase todos os instrumentos financeiros, como carteiras de recebíveis e de empréstimos, que nos sistemas contábeis usados até agora podiam ser marcados pela curva, caso fossem mantidos até o vencimento. “Parece que depois de toda essa discussão sobre valor justo, o Fasb concluiu não só que ele não foi responsável pela crise financeira, como quer expandir seu uso”, diz o professor, que destaca que as diferenças em relação ao modelo proposto no IFRS “são grandes”.

Se o Iasb for convencido a seguir pelo mesmo caminho do Fasb, isso mudaria bastante não só o balanço dos bancos, como das empresas não financeiras brasileiras, diz Eliseu.

Se o plano A de convergência total entre o IFRS e US Gaap não der certo, não está descartado um caminho de meio termo. O plano B teria como base aproximar a contabilidade em quase todos os pontos e apresentar uma breve reconciliação com as diferenças. Nesse cenário, há expectativa de que a Securities and Exchange Commission (SEC) poderia permitir a adoção do IFRS pelas empresas americanas mesmo sem a convergência total.


Brasil deve estar atento a regras internacionais

Fernando Torres, de São Paulo
09/06/2010

Os agentes brasileiros envolvidos com a implementação do padrão contábil IFRS devem participar não apenas das consultas públicas feitas pelo Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb) como também daquelas promovidas pelo congênere americano Fasb.

Essa é a opinião da presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Ana María Elorrieta, que lembra que existe um grupo de trabalho formado pelas entidades que formam o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) que está envolvido nesse processo.

“O Brasil tem que participar sim. Temos que contribuir para garantir uma melhor qualidade, não apenas em relação a essa norma de instrumentos financeiros como para qualquer outra”, afirma Ana María.

Tanto ela como seu companheiro de PricewaterhouseCoopers Tadeu Cendon, no entanto, reconhecem que nesse momento fica difícil a participação dos empresários brasileiros nesse tipo de audiência pública. “As empresas têm problemas mais correntes, como a implementação do IFRS no Brasil da forma como ele está”, diz Cendon, ressaltando que eventuais mudanças só devem valer a partir de 2013.

Apesar de haver alguns anos para a implementação obrigatória, a revisão das normas pelo Fasb e pelo Iasb deve ocorrer, após o atraso do cronograma original, até o fim de 2011. “Esse adiamento de seis meses não deve ser visto de forma negativa, considerando a complexidade da agenda”, diz Bruce Mescher, sócio da Deloitte.

A atenção dos agentes brasileiros para a nova regulamentação tanto do Fasb como do Iasb se torna necessária, na medida em que os dos órgãos buscam uma convergência de regras e que o Brasil se comprometeu a seguir o Iasb.

E a proposta apresentada pelo Fasb para classificação instrumentos financeiros difere bastante do IFRS 9, que por enquanto será a nova regra para as empresas brasileiras a partir dos balanços referentes a 2013.

Segundo Cendon e Mescher, além do aumento da abrangência do uso do valor justo para mais instrumentos financeiros, a minuta apresentada pelo Fasb mantém o lançamento dessas variações na conta de “outros resultados abrangentes”, que fica dentro do patrimônio líquido.

Uma das mudanças do IFRS 9 é exatamente restringir os casos em que mudanças de valor dos instrumentos financeiros afetarão o patrimônio. Ao mesmo tempo em que prevê o uso mais extenso do custo amortizado (em detrimento do valor justo), a norma emitida pelo Iasb diz que os lançamentos serão sempre contra o resultado, ou seja, afetando o lucro das empresas.

Outro ponto de divergência se refere à possibilidade de reclassificação dos instrumentos. O IFRS 9 admite que a empresa mude a forma de registro de ativos de valor justo para custo amortizado (e vice-versa) caso haja mudança justificada no modelo de negócios. Conforme a proposta apresentada pelo Fasb, isso não seria permitido.

“É inegável que ao colocar a minuta em audiência pública o Fasb está forçando o Iasb a rever certas posições”, diz Cendon, que também acredita que o órgão americano pode mudar sua proposta após receber comentários.

Ao analisar essa disputa de ideias, Henrique Campos, sócio da BDO, destaca que o Fasb tem mais flexibilidade para fazer mudanças. “Ele se reporta a um só país, enquanto as regras do Iasb valem para mais de cem”, afirma.

Para Mescher, da Deloitte, tanto custo histórico como o valor justo são informações úteis para os usuários dos balanços. “O grande desafio é determinar qual a dose certa para cada sistema”, afirma o especialista.


Fonte: Valor Econômico, via FENACON

Editoria: Prof. Alexandre Alcantara