O lado ‘gestor público’ de Graciliano Ramos
Foi depois de ler relatórios nos quais ele prestava contas da gestão que o editor Augusto Frederico Schmidt descobriu sua veia literária e apostou na publicação de seu primeiro romance, “Caetés”.
Nestes relatórios, publicados após sua morte no livro “Viventes das Alagoas”, Graciliano usa de ironia e talento ao lamentar, por exemplo, o contrato do prefeito anterior com a concessionária de energia: “Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras”.
O município, por sua vez, também deve muito ao prefeito. Embora tenha renunciado dois anos após sua posse, em 1928, Graciliano governou com preceitos de um administrador moderno.
Ele saneou as contas públicas, enxugou o quadro de funcionários, baniu a prática de criar galinhas e porcos nas ruas, construiu estradas e escolas, reformou o código tributário municipal e passou a cobrar os impostos de forma rigorosa.
Com o choque de ordem, ganhou inimigos e foi alvo de um atentado a tiros em 1929.
Candidato único, Graciliano elegeu-se com 433 votos, quando a cidade tinha cerca de 10 mil habitantes e o voto não era obrigatório.
Havia um clima político conturbado. Seu antecessor, Lauro de Almeida Lima, tinha sido assassinado por um fiscal de impostos enviado pelo governador do Estado.
Para substituí-lo, os coronéis da política local precisavam de um nome inatacável do ponto de vista ético. Aos 35 anos, Graciliano, pai de quatro filhos (dos oito que viria a ter), era um comerciante bem sucedido, dono da loja Sincera, que vendia tecido.
“Ele era conhecido por sua postura honesta e organizada, que cumpria com horários e compromissos”, diz Sônia Jaconi, autora de pesquisa sobre ele na Universidade Metodista de SP.
Candidatou-se pelo Partido Democrata, um detalhe desconfortável na vida do escritor que seria conhecido pela militância comunista.
Eleito, anunciou que não iria compactuar com o clientelismo vigente num município onde, segundo ele, “cada pedaço tinha sua administração particular”.
Seu código tributário estabelecia para os mais ricos carga de impostos maior. Ele próprio fazia a contabilidade do município. Por vezes entregava as cobranças pessoalmente.
Sua austeridade incomodou muita gente, inclusive seu pai, o coronel Sebastião Ramos de Oliveira. Certa vez, ao recusar o pagamento do tributo, ele ouviu do filho a frase: “Prefeito não tem pai”.
Em 1930, Graciliano renunciou ao cargo, diante do convite para ser diretor da Imprensa Oficial de Alagoas, com salário melhor e possibilidade de morar na capital.