Por que os auditores estão em alta no mercado

O número de empresas no Brasil contratando auditores para investigar suspeitas de fraude e corrupção aumentou. Somente a PricewaterhouseCoopers (PwC) atendeu 100 companhias de julho de 2011 a setembro deste ano. É quase o dobro do número de casos registrados nos 15 meses anteriores a esse período. A KPMG, outra grande firma que opera na área de prevenção e investigação, registrou um crescimento de 30% na procura por seus auditores entre os meses de janeiro e setembro em relação a todo o ano passado.
 
São casos de fraudes internas para beneficiar um grupo de profissionais, de roubos de ativos ou de corrupção envolvendo funcionários e agentes públicos. Tradicionalmente, os grandes clientes desse tipo de serviço são as multinacionais, que têm de fornecer relatórios à matriz por causa de exigências legais no país de origem. Nos Estados Unidos, no mês passado, uma reportagem do jornal The Wall Street Journal mostrou que três múltis gastaram juntas um total de 456 milhões de dólares com escritórios de auditoria para investigar e fortalecer seus controles internos na esperança de conseguir penalidades mais leves, ou mesmo escapar de sentenças judiciais severas.
 
A Avon, sob alegação de que empregados pagavam propinas na China; a Weatherford, de óleo e gás, sob suspeita de violação das leis de exportação na Europa, Iraque e África; e a rede varejista Walmart, depois de ter sua subsidiária no México denunciada por prática de suborno de autoridades públicas para conseguir crescer rapidamente no país.
 
No Brasil, o desfecho dessas investigações muitas vezes é mantido em sigilo. Os envolvidos são demitidos e o caso é abafado, embora existam exemplos recentes noticiados pela imprensa (veja quadro Casos Notórios). "O trabalho que fazemos é muito factual. Levantamos evidências para alguém da empresa julgar, demitir ou afastar os envolvidos. São provas que também podem ser usadas na Justiça, se necessário", diz José Francisco Compagno, sócio e líder de investigação de fraudes da consultoria Ernst & Young Terco (EY&T).
 
Atualmente, José Francisco lidera uma equipe de 50 pessoas. Em 2005, ela tinha apenas cinco profissionais. No ano passado, a EY&T atendeu 70 empresas, quase metade delas brasileiras. Por causa do crescimento na demanda, o time de auditores da PwC, especializados nessa atividade, aumentou de três para 32 nos últimos três anos. Na KPMG, foram contratados cinco auditores este ano — a equipe tem atualmente 30.
 
Segundo Leonardo Lopes, diretor da área de investigação da PwC, em 90% dos casos a existência de corrupção é comprovada. "Apesar de a maioria das suspeitas de fraudes se confirmar, acredito que a quantidade dessas descobertas nem se alterou tanto assim. O que mudou mesmo foi a consciência dos acionistas e dos gestores, principalmente aqueles de companhias brasileiras, que estão mais atentos aos deslizes dos empregados", diz Humberto Salicetti, sócio e líder da área de investigação da KMPG.
 
Os casos mais comuns estão em empresas dos setores farmacêutico, de telecomunicações, construção civil, infraestrutura e financeiro. Normalmente, basta uma suspeita ou uma denúncia anônima para ativar o alerta das companhias e acionar uma investigação interna, que pode custar de 20 000 reais, para um caso simples que dure até duas semanas, a 1 milhão de reais ou mais, para casos mais complexos de até um ano de investigação.
 
Lei brasileira
 
Como se vê, esse mercado de investigação tem crescido no Brasil e no mundo, dando também mais oportunidade de trabalho a profissionais com diversas formações, principalmente advogados, financistas e engenheiros que lidam com processos internos e normas. Se depender do Projeto de Lei 6 826/10, de autoria da Presidência da República, que tramita na Câmara dos Deputados, a preocupação das companhias por aqui de serem pegas com suspeita de fraude e atos de corrupção vai aumentar e os serviços de auditorias investigativas também. As firmas que ainda não têm profissionais internos na área responsável por fazer cumprir as normas de conduta, terão de contratar, avaliam os especialistas.
 
O projeto, que está sob análise de uma comissão especial na Câmara, responsabiliza administrativa e civilmente as empresas e seus profissionais por atos praticados por qualquer agente ou órgão que as represente contra a administração pública (nacional ou estrangeira), com punições severas, como multas de 0,1% a 20% do faturamento bruto anual até a suspensão temporária ou dissolução da companhia. Hoje, apenas pessoas físicas são punidas. "Isso reduzirá muito os casos de corrupção, pois não vai adiantar apenas afastar o funcionário, como as empresas estão acostumadas a fazer nesses casos. Elas vão ser responsabilizadas de qualquer forma", diz o relator do projeto, o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). Se aprovado pela comissão, o projeto segue direto para avaliação do Senado.
 
Entretanto, um movimento endossado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) trabalha para que ele seja revisto e votado pelo plenário da Câmara antes disso. Se acontecer, a previsão é de que o projeto não vire lei por mais um ano. "Questionamos a falta de defesa por parte da empresa, que o projeto ignora impondo uma culpa presumida", diz Sérgio Campinho, advogado da CNI. O projeto de lei é uma resposta do Brasil à convenção anticorrupção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 1997. Dos 33 países signatários, o Brasil é um dos três, ao lado da Argentina e Irlanda, que ainda não têm legislação sobre o assunto. O projeto brasileiro se espelha na americana FCPA e na inglesa UK Bribery – leis estrangeiras que punem delitos de fraude corporativa.
 
O número de empresas com códigos rígidos ainda é pequeno. Das 1 400 companhias associadas ao Instituto Ethos, pouco mais de 200 assinaram um pacto para a instalação de códigos de ética e condutas. "Um código é um início importante. Passa a mensagem para aprofundar o assunto, depois qualificar e treinar os funcionários para esse risco, atuando também na cadeia que lhe presta serviço", diz Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos.
 
Se já está demonstrado que a corrupção não é um fenômeno restrito ao Brasil, e que os avanços das relações internacionais e a intensificação da globalização elevaram o risco de fraude, identificar situações de atos suspeitos é primordial para um profissional que não quer se envolver e arriscar sua carreira. Manter as conversas estritamente profissionais nas negociações, principalmente nas relações com o poder público, é uma maneira de se defender.
 
Casos notórios
 
A demissão de altos executivos por envolvimento em corrupção é comum no exterior e tem se tornado mais corriqueiro no Brasil. Veja alguns deles:
 
O ex-presidente da Siemens no Brasil, Adilson Primo, de 59 anos, foi demitido em outubro de 2011. A multinacional alemã declarou que afastou Adilson depois que uma investigação interna descobriu "graves contravenções das diretrizes" da companhia. A investigação teria detectado desvio 6,5 milhões de euros. Adilson se diz injustiçado.
 
O presidente da TIM Brasil, Luca Luciani, renunciou ao cargo em maio de 2012. O executivo era alvo de investigação movida pela própria empresa e também por autoridades italianas envolvendo falsificação de chips de telefonia móvel pré-pagos entre 2005 e 2007, na Itália.
 
O ex-controlador do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira , condenado em 2006 em primeira instância a 21 anos de prisão por crimes financeiros, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, após auditoria descobrir que o déficit patrimonial (diferença entre dívidas e os bens e créditos) seria de 700 milhões de reais.
 
Em 2001, a Enron, empresa americana de energia, pediu concordata, após denúncias de fraude contábil. David Duncan , auditor e sócio da Arthur Andersen, era o responsável pelos balanços. A Enron encerrou sua operação em 2002. David foi preso três anos depois. Já a Arthur Andersen foi desmembrada e vendida para concorrentes do mercado nos anos seguintes.
 
Da VOCÊ S/A
 
Fonte: Exame.com, via Blog do SPED

Editoria: Prof. Alexandre Alcantara