Os impactos processuais da reforma tributária

Aprovado o relatório do grupo de trabalho sobre os impactos processuais da reforma tributária pela 1ª Seção do STJ
O Grupo de Trabalho destinado à elaboração de estudos e propostas acerca dos impactos processuais decorrentes da Reforma Tributária (EC n. 132/2023), instituído pela Portaria STJ/GP n. 458/2024 e composto pela Ministra Regina Helena Costa, coordenadora, pelo Ministro Paulo Sérgio Domingues e pelo Juiz Federal Daniel Marchionatti Barbosa, teve seu relatório final aprovado pelos Ministros da 1ª Seção.
Ao longo dos quatro meses de trabalho, foram realizadas pesquisas e interlocução com diversos setores, mediante reuniões com membros do Poder Judiciário, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, das Procuradorias-Gerais de Estados e Municípios e acadêmicos.
Como resultado de suas deliberações, o Grupo de Trabalho apresentou anteprojeto de emenda regimental estabelecendo normas de organização quanto ao processo e julgamento de conflito federativo envolvendo o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS e a Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS, bem como propostas de aperfeiçoamento do sistema diante dos impactos que a Reforma Tributária produzirá no contencioso judicial, explorando diferentes cenários de regulamentação.
Leia o relatório “Impactos da Reforma Tributária no Poder Judiciário”.
Fonte: STJ Notícias | 24.04.2025 | Imagem: ChatGPT
BREVE ANÁLISE (NotebookLM)
Este relatório do Superior Tribunal de Justiça examina o potencial impacto da reforma tributária brasileira no Poder Judiciário. A análise se concentra na transição dos atuais impostos e contribuições (IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS) para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), avaliando como essa mudança pode triplicar o contencioso judicial tributário.
O documento projeta o aumento do volume de casos em diversas instâncias, incluindo o STJ, a Justiça Federal e a Justiça Estadual, e discute possíveis soluções para mitigar essa sobrecarga, como a concentração de processos e a criação de novas estruturas ou procedimentos judiciais.
O relatório conclui que, sem medidas de integração administrativa e judicial eficazes, o sistema de justiça corre o risco de colapso devido ao aumento expressivo de demandas.
Principais Temas e Ideias Centrais:
1. A Reforma Tributária do Consumo e os Novos Tributos:
- A Emenda Constitucional n. 132/2023 modifica significativamente a tributação sobre o consumo no Brasil.
- Os tributos atuais (IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS) serão substituídos gradualmente por uma tributação dual:
- Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS): De competência da União.
- Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): De competência compartilhada entre Distrito Federal, Estados e Municípios.
- Há identidade nos aspectos relevantes das hipóteses de incidência do IBS e da CBS, mas o lançamento e a cobrança são, em princípio, independentes.
2. O Potencial de Multiplicação do Contencioso Judicial e Administrativo:
- Uma das preocupações centrais do relatório é o risco de a reforma tributária, na sua configuração atual, triplicar o contencioso tributário sobre o consumo.
- Lançamento e Cobrança Independentes: A Constituição e os projetos de lei complementar em tramitação (PLPs 68/2024 e 108/2024) preservam a competência das administrações tributárias e das procuradorias de cada ente federativo. Isso significa que:
- “cada fato gerador dará lugar a três lançamentos de ofício.” (Página 2)
- “é provável que o mesmo fato gerador dê lugar a três cobranças.” (Página 3)
- Ações Antiexacionais Multiplicadas: Do lado dos contribuintes, as ações para impugnar a tributação também podem se multiplicar. “Cada impugnação de tributação precisará ser direcionada contra União, Estado e Município.” (Página 3)
- Tributação no Destino: A introdução da tributação no destino para o IBS implica que um fornecedor que negocie em todo o território nacional “pagará tributos no Distrito Federal e em todos os Estados e Municípios.” (Página 4) Isso multiplica a relação entre contribuintes e fiscos estaduais e municipais, podendo gerar “um número muito mais elevado de litigância.” (Página 16)
- Aumento do Volume de Dívidas Fiscais: A cumulação de tributos sobre a mesma base imponível, somada a uma possível articulação entre as administrações tributárias, pode tornar a cobrança mais economicamente interessante, “incrementando o número de execuções fiscais.” (Página 4)
3. Avaliação da Resposta Legal Atual:
- O relatório aponta que a legislação atual e os projetos de regulamentação “não dão resposta suficiente à questão da integração do contencioso judicial tributário.” (Página 26)
- A integração da atividade administrativa (lançamento) e judicial (cobrança e defesa) é vista como essencial para o sucesso da reforma e para evitar a sobrecarga do Poder Judiciário.
- As previsões de integração são consideradas “parca e depende de acordos bilaterais.” (Página 3)
- Não foram formalizadas propostas legislativas abrangentes para adaptar o contencioso judicial à nova estrutura (Página 5).
4. Estimativas do Aumento da Litigância:
- Com base na premissa de que cada fato gerador produzirá créditos para três entes simultaneamente (União, Estado e Município) e que cada processo atual sobre ICMS/ISS dará origem a três novos processos, o relatório projeta o impacto nos números de casos.
- No STJ: Espera-se um incremento numérico de 10.044 casos novos (35% na matéria tributária e 2% na distribuição total). No entanto, o STJ terá grande demanda por decisões colegiadas para uniformizar a interpretação dos novos tributos (Página 9).
- Na Justiça Federal (Execuções Fiscais – pior cenário, execução autônoma): Aumento numérico de 185.628 execuções fiscais (incremento de 107% em relação a 2024) (Página 14).
- Na Justiça Estadual (Execuções Fiscais – pior cenário, execução autônoma): Aumento numérico de 226.956 execuções fiscais (incremento de 16% em relação a 2024) (Página 14).
- Na Justiça Federal (Antiexacionais – pior cenário, ações autônomas): Aumento numérico de 23.508 ações (incremento de 5% em relação a 2024) (Página 16).
- Na Justiça Estadual (Antiexacionais – pior cenário, ações autônomas): Aumento numérico de 78.708 ações (incremento de 11% em relação a 2024) (Página 16).
- O cenário é considerado “bastante preocupante” e, sem racionalização, o sistema judiciário “poderá receber mais demandas do que tem capacidade de lidar.” (Página 5)
5. Propostas para Enfrentar o Cenário Projetado:
- No STJ:Conflito Federativo: O STJ ganhou nova competência para julgar conflitos entre entes federativos ou entre estes e o Comitê Gestor do IBS relacionados aos novos tributos (Art. 105, I, “j”, da CF). Propõe-se que a Primeira Seção do STJ seja competente para julgar esses conflitos, especialmente os relacionados à repartição de receitas (Página 17).
- Ações Diretas de Legalidade/Ilegalidade (ADL/ADIL): Discussão sobre a criação de ação direta, de competência do STJ, para discutir a legalidade de atos normativos ou a interpretação de lei federal sobre os novos tributos. Embora com potenciais benefícios (rapidez, uniformização), apresenta contras significativos (eliminação do debate nas instâncias inferiores, sobrecarga do STJ, restrição de direitos dos contribuintes). Sugere-se cautela e a adoção de salvaguardas caso essa proposta avance (legitimados restritos, objeto e parâmetro restritos, discricionariedade do STJ) (Páginas 17-18).
- Na Jurisdição Ordinária:Concentração de Causas (IBS e CBS): Ideia de reunir as discussões sobre CBS, IBS Estadual e IBS Municipal em juízos únicos para evitar a multiplicação de processos sobre o mesmo fato gerador (Página 19).
- Dificuldades Operacionais: Diferença na velocidade de apuração, interpretações divergentes, autonomia das representações judiciais, possibilidade de extinção de créditos separados (Página 19).
- Competência para a Concentração: Se a concentração envolver CBS e IBS, a competência seria da Justiça Federal devido à presença da União (Art. 109, I, CF). Isso sobrecarregaria significativamente a JF (Página 20).
- Criação de Tribunal Federal com Composição Mista: Proposta considerada, mas vista com sérios problemas administrativos, orçamentários e de estruturação, além de não evitar a dispersão da jurisprudência sobre normas gerais (Páginas 21-23).
- Criação de Colegiados Virtuais com Composição Mista: Proposta considerada, mas vista como além dos limites da cooperação judiciária e que aumentaria a complexidade sem benefícios claros (Página 23).
- Atribuição da Competência à Justiça Federal: Possibilidade de especializar a JF para julgar causas do IBS e da CBS. Aproveitaria estruturas existentes, mas exige “adequada estratégia de financiamento” devido às limitações orçamentárias da JF. A perda de custas pela Justiça Estadual é uma preocupação (Página 24).
- Convênios para a Concentração de IBS Estadual e Municipal: Possibilidade de convênios entre Estados e Municípios para concentrar execuções ou antiexacionais do IBS (Páginas 24-25). Isso reduziria o aumento na JE, mas não afetaria o impacto na JF (Página 25).
- Estabelecimento de Alçadas: Sistema onde um único ente representaria os demais na cobrança ou defesa, dependendo do valor do crédito. Inspirado em modelos como o do SUS. Vantagens: dispensa múltipla representação e concentra a discussão. Exige nova legislação (Página 26).
- Prévio Requerimento Administrativo: Exigência de esgotar a via administrativa antes de ir para a justiça. Vantagens: valoriza a atividade administrativa, alivia o judiciário, permite o amadurecimento da interpretação. Preocupação: direito à inafastabilidade da jurisdição (Art. 5º, XXXV, CF) (Página 26).
6. Conclusões do Grupo de Trabalho:
- A reforma é um marco importante, mas as implicações no contencioso judicial são insuficientes (Conclusão 1).
- A legislação e os projetos de regulamentação não respondem suficientemente à integração do contencioso judicial, caminhando para uma “tríplice judicialização de cada conflito tributário” (Conclusão 2).
- A falta de integração do lançamento e da cobrança/defesa dos créditos representa um “sério risco de colapso à infraestrutura do Poder Judiciário”. Impõe-se “o esforço concatenado dos Fiscos” (Conclusões 3 e 4).
- A tributação no destino potencializa o número de litígios (Conclusão 5).
- A tributação do setor de serviços, com grande número de execuções fiscais, deve ser foco na nova estrutura (Conclusão 6).
- A criação da ADL/ADIL no STJ apresenta riscos e deve ser acompanhada de salvaguardas (Conclusão 7).
- A criação de um Tribunal Federal misto é administrativamente e orçamentariamente inviável. A unificação da atividade de cobrança é uma alternativa mais simples (Conclusão 8).
- A criação de colegiados virtuais mistos não tem base legal e complicaria o sistema (Conclusão 9).
- A atribuição de competência à Justiça Federal para causas do IBS/CBS exige planejamento de financiamento (Conclusão 10).
- O estabelecimento de alçadas é uma alternativa interessante para concentrar a cobrança/defesa, exigindo nova legislação (Conclusão 11).
- A exigência de prévio requerimento administrativo pode aliviar a jurisdição, mas gera preocupações com o direito à inafastabilidade da jurisdição (Conclusão 12).
Citações Relevantes
- “A Emenda Constitucional n. 132, de 20 de dezembro de 2023, modificou sensivelmente a tributação sobre o consumo. Previu a substituição paulatina de tributos conhecidos – IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS – por tributação dual: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Distrito Federal, Estados e Municípios.” (Página 1)
- “O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) substituirão tributos federais (IPI, contribuição ao PIS, COFINS), estaduais (ICMS) e municipais (ISS).” (Página 2)
- “caso não haja adimplemento voluntário, cada fato gerador dará lugar a três lançamentos de ofício.” (Página 2)
- “Portanto, é provável que o mesmo fato gerador dê lugar a três cobranças.” (Página 3)
- “Cada impugnação de tributação precisará ser direcionada contra União, Estado e Município.” (Página 3)
- “A inovação significativa na direção da redução dos litígios tributários reside em uma ferramenta para evitar o inadimplemento – o split payment.” (Página 4)
- “Se não houver um esforço sério para racionalizar a litigância judicial envolvendo o IBS e a CBS, o sistema judiciário poderá receber mais demandas do que tem capacidade de lidar.” (Página 5)
- “Se cada um dos processos novos envolvendo IPI, ICMS e ISS for desdobrado em três – na medida em que o mesmo fato gerador gera créditos para União, Estados e Municípios – e for processado em separado, teremos o seguinte panorama de processos tributários no STJ: NUMERO PROJETADO DE CASOS NOVOS IBS E CBS 28764 AUMENTO NÚMERICO 10044 INCREMENTO NA MATÉRIA TRIBUTÁRIA 35%” (Página 9)
- “Se todas as condições fossem mantidas, a unificação das execuções de IBS/CBS na Justiça Federal geraria o seguinte impacto: INCREMENTO EM RELAÇÃO AO PICO 59,74%” (Página 20)
- “A criação de um Tribunal Federal de composição mista – magistrados federais e estaduais – apresenta desafios administrativos e orçamentários intransponíveis.” (Página 27 – Conclusão 8)
- “A falta de integração da cobrança e da defesa dos créditos do IBS e da CBS traz sério risco de colapso à infraestrutura do Poder Judiciário.” (Página 27 – Conclusão 4)