As Cinco Solas
As cinco solas da Reforma, que distinguiram os reformadores dos ensinos de Roma, incluem sola scriptura (Somente a Escritura), solus Christus (somente Cristo), sola fide (somente a fé), sola gratia (somente a graça), soli Dei gloria (somente a Deus a glória).
Sumário
Essas cinco afirmações da fé evangélica estão no centro da distinção entre a teologia da Reforma e a teologia da igreja Católica Romana no século XVI. Sola Scriptura é o entendimento de que, por ser a Escritura a Palavra inspirada de Deus, é a única, inerrante, suficiente e final autoridade para a igreja. Solus Christus é a afirmação de que somente Cristo é a base na qual os ímpios são justificados aos olhos de Deus. Sola fide sustenta que o crente recebe a redenção realizada por Cristo somente por meio da fé. Sola gratia proclama que toda a nossa salvação, do início ao fim, é pela graça, e somente por ela. Por conta dessas afirmações, os reformadores se apegaram firmemente à frase soli Deo gloria, que significa que somente Deus recebe glória por nossa salvação.
As cinco solas formam o núcleo da fé evangélica. Elas não apenas captam o evangelho de Jesus Cristo e explicam como esse evangelho penetra no pecador, mas também definem onde reside a autoridade desse evangelho e qual é o propósito de sua pregação e proclamação. Ainda que a expressão “cinco solas” seja de uso mais recente, seus conceitos estão enraizados na Reforma Protestante do século XVI. Essas cinco solas distinguem reformadores como Martinho Lutero, Filipe Melâncton, João Calvino e tantos outros dos ensinamentos de Roma. No entanto, no cerne dessa divisão, não havia apenas uma disputa teológica, mas uma celebração do próprio evangelho. Os reformadores estavam dispostos a dar suas vidas por essas solas, antes de tudo, porque acreditavam que o próprio evangelho estava em jogo.
Sola Scriptura
Sola Scriptura é o entendimento de que, “por ser a Escritura Palavra inspirada de Deus, é a única, inerrante, suficiente e final autoridade para a igreja.” (Somente a Escritura, Editora Cultura Cristã, 2022). Observe que a base da sola scriptura é a natureza inspirada das Escrituras. Como Paulo diz: “Toda a Escritura é inspirada por Deus” (2 Tm 3.16-17). Isso não pode ser dito sobre a tradição da igreja, os concílios ou os líderes da igreja, por mais importantes que sejam. Embora a Escritura tenha muitos autores humanos, ela tem um autor divino. O Espírito Santo, Pedro nos diz, conduziu os autores bíblicos de modo que o que eles disseram foi dito pelo próprio Deus (2 Pe 1.21), palavra por palavra.
Por essa razão, a Escritura também é inerrante, sendo a inerrância um corolário da inspiração. Inerrância significa que a Escritura é verdadeira, sem erros, em tudo o que afirma. Enquanto o Espírito Santo conduzia os autores bíblicos, ele garantiu que suas palavras humanas refletissem seu próprio caráter santo. Logo, a Escritura é verdadeira porque o próprio Deus é verdadeiro; afinal, é a Palavra de Deus. A inerrância é essencial não apenas porque fornece garantia para nossa segurança, dando-nos todas as razões para acreditar que as Escrituras são confiáveis, mas a inerrância também distingue as Escrituras de todas as outras autoridades falíveis. Somente a Escritura é nossa autoridade infalível e inerrante.
Por último, sola scriptura significa que apenas a Escritura é nossa autoridade suficiente. Paulo não apenas diz que toda a Escritura é inspirada por Deus, mas, com base nisso, a Escritura é “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”. Ou como a Confissão Belga diz tão bem: “Cremos que essas Sagradas Escrituras contêm plenamente a vontade de Deus, e que tudo o que o homem deve crer para a salvação é suficientemente ensinado nelas”.
Sola Scriptura nos ensina, por fim, que todas as demais autoridades na vida cristã servem sob as Escrituras, enquanto somente as Escrituras governam sobre outras autoridades, pois somente ela é a palavra inspirada, inerrante e suficiente de Deus.
Solus Christus
A Escritura, como autoridade final do cristão, é um dom de Deus. É um presente porque na Escritura recebemos o próprio Jesus Cristo. Deus teria sido perfeitamente justo e santo ao nos deixar em nosso pecado e condenação. Mas nosso grande Deus se rebaixou de tal maneira a ponto de falar uma palavra salvadora para nós pecadores perdidos, uma palavra que atingiu seu auge na Palavra viva, o próprio Senhor Jesus (Jo 1.1).
No entanto, nossa tentação é pensar que há algo em nós mesmos, mesmo que minimamente, que pode contribuir para a nossa redenção. Talvez seja obediência à lei, ou talvez sejam boas obras que brotam da própria fé. Mas a Escritura responde: “Não há justo, nem um sequer” (Rm 3.10). Deus e somente Deus pode nos salvar.
O Pai fez exatamente isso ao enviar seu Filho para “se tornar carne” (Jo 1.14) para nos representar, substituindo-se em nosso favor. Enquanto falhamos em guardar a lei, Cristo obedeceu à lei por nós; enquanto merecemos a penalidade por violar a lei, Cristo morreu por nós. Cristo cumpriu a lei que não podíamos guardar, e suportou a ira de Deus que merecemos (Rm 3.21-26). E ele fez isso integralmente. Como diz aquele antigo hino: “Jesus pagou tudo”. Isso significa, então, que a obra de Cristo, e somente Cristo, é a base sobre a qual os ímpios são justificados diante de Deus.
Sola fide
Mas como o crente recebe a redenção que Cristo realizou? Através da fé e da fé somente. Em vez de confiarmos em nós mesmos, confiamos em outro: Jesus Cristo.
Os reformadores adoravam falar sobre uma “grande e maravilhosa troca”. Cristo carregou nosso pecado e a penalidade na cruz. O que recebemos em troca? A perfeita e imaculada justiça de Cristo. Não apenas fomos perdoados e nossa dívida foi totalmente paga, mas também foi imputado à nossa conta o registro perfeito de obediência de Cristo.
Isso significa, então, que Deus nos declara justos diante dele não com base em algo em nós, mas apenas com base em uma justiça alheia, uma justiça que é extra nos, ou seja, fora de nós mesmos. Claro, não é outra senão a justiça de Cristo (2 Co 5.21; Fp 3.9). A fé, então, é o instrumento pelo qual recebemos essa justiça alheia. Por meio da fé em Cristo, a bênção de estar em Cristo, a qual somente Deus pode conceder, é atribuída a nós. Por isso, Paulo adverte os cristãos de que ninguém será justificado pelas obras da lei, mas apenas pela fé em Cristo (Gl 2.15–3.14).
Sola Gratia
Se a obra de Cristo é a base de nossa posição favorável diante de Deus, e se somos justificados por Deus não com base em nossas obras, mas apenas pela fé nas obras de seu Filho, então segue-se que nossa salvação é pela graça e somente pela graça.
Sola gratia, no entanto, não se limita à nossa justificação, mas abrange toda a salvação do início ao fim. Na verdade, a graça que nos salva é, como John Newton tão famosamente cantou, “maravilhosa”, porque não se origina de forma alguma em nós, mas decorre da misericórdia de Deus na eternidade. Como Paulo diz, Deus “nos escolheu nele [Cristo] antes da fundação do mundo” (Ef 1.4).
“Mas espere um aí”, você pode dizer, “certamente minha vontade e minha escolha devem ser o fator determinante”. Não de acordo com Paulo: a eleição de Deus “não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Rm 9.16). Em suma, a escolha não está condicionada a nós; isso nos daria motivos para nos orgulharmos. Pelo contrário, sua graça eletiva é incondicional.
E se sua graça na eternidade é tão livre, então, da mesma forma, sua graça deve ser incondicional quando aplicada pelo Espírito Santo. O Deus que nos escolheu somente pela graça é o único que pode nos chamar das trevas para a luz de seu próprio Filho (chamado eficaz; João 6) e nos ressuscitar da morte espiritual para a vida espiritual (regeneração; João 3). Sua graça não é sinérgica, como se dependesse da nossa vontade para o seu sucesso. Pelo contrário, é monergista, pois somente ele trabalha para trazer pecadores mortos e sem vida para uma nova vida em seu Filho. Além disso, somente ele pode nos conceder a fé que crê e opera tal crença dentro de nós, de modo que aceitemos a Cristo como nosso Salvador e Senhor (At 13:48–50; Ef 2:8–10; Fp 1:29–30; 2 Pe 1:1).
Soli Deo Gloria
Apenas se nossa salvação for somente pela graça, Deus receberá toda a glória. Se há algo em nós mesmos que podemos reivindicar, então não nos gloriamos somente em Cristo. Mas se ele é o autor e consumador de nossa salvação, então somente ele deve ser magnificado por sua graça soberana. Como cristãos, esses solas devem alimentar uma atitude de total humildade. Seja em nossas vocações seculares ou em nosso louvor em uma manhã de domingo, somente a Deus seja a glória.
Leitura adicional
- Carl R. Trueman, Somente a Graça, A salvação como dádiva de Deus. Editora Cultura Cristã, 2022. Veja uma entrevista com o autor aqui.
- Carl R. Trueman, Palestra em vídeo sobre sola gratia.
- David VanDrunen, Glória somente a Deus: O majestoso coração da fé e da vida cristãs. Editora Cultura Cristã, 2021. Veja uma entrevista com o autor aqui.
- David VanDrunen, Palestra em vídeo sobre soli Deo gloria.
- Jared Wilson, Entrevista em vídeo: Can justification give me confidence to preach? [A justificação pode me dar confiança para pregar?]
- Matthew Barrett, Somente a Escritura: a autoridade da Palavra de Deus. Editora Cultura Cristã, 2022. Veja uma entrevista com o autor aqui.
- Matthew Barrett, ed., The Doctrine on Which the Church Stands or Falls: Justification in Biblical, Theological, Historical, and Pastoral Perspective [A doutrina pela qual a Igreja se mantém de pé ou cai: Justificação em uma perspectiva bíblica, teológica, histórica e pastoral].
- Matthew Barrett, Palestra em vídeo sobre sola scriptura.
- Matthew Barrett, Entrevista em vídeo: The Modern Challenge to the Doctrine of Justification [O desafio moderno à doutrina da justificação]
- Matthew Barrett, Entrevista em vídeo: The Question at the Heart of Christianity [A questão no coração do cristianismo]
- Matthew Barrett e Stephen Dempster, Vídeo: “Is Justification in the Old Testament?” [A justificação está no Antigo Testamento?]
- Stephen Wellum, Somente Cristo: A singularidade de Jesus como Salvador. Editora Cultura Cristã, 2022. Veja uma entrevista com o autor aqui.
- Stephen Wellum, Palestra em vídeo sobre solus Christus.
- Thomas Schreiner, Somente pela fé: A doutrina da justificação. Editora Cultura Cristã, 2021. Veja uma entrevista com o autor aqui.
- Thomas Schreiner, Palestra em vídeo sobre sola fide.
Traduzido por Vittor Rocha, publicado em Coalizão pelo evangelho
Matthew Barrett é professor de teologia cristã no Midwestern Baptist Theological Seminary, editor-chefe da revista Credo, e apresentador do Credo Podcast. Ele é diretor do Center for Classical Theology e autor dos livros Simply Trinity (Simplesmente Trindade), The Reformation as Renewal (A Reforma como Avivamento), e está atualmente escrevendo uma teologia sistemática com a Baker Academic. Pode-se segui-lo no Twitter.
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